domingo, 15 de novembro de 2009

A culpa do nada

Aproveitei o sol de hoje pela manhã para dar uma corridinha na Praia do Flamengo. De repente, fiquei pensando no porquê não fico mais parado tomando sol. Conclusão: porque acho perda de tempo... É... eu prefiro correr, andar, sentir que estou fazendo alguma coisa. Parar e ficar tomando sol me faz sentir uma culpa de que eu poderia estar usando aquele tempo para fazer uma das milhares de coisas que sempre tenho pra fazer e depois fico reclamando que não tenho tempo. Mas se eu estou correndo, eu tenho uma "desculpa" para não usar aquele tempo para realizar os infinitos afazeres que surgem na minha mente. Pra ficar sentado na praia, eu preciso ler um livro, uma revista ou até mesmo fazer a unha só pra ter a tal "desculpa".

Aí me dei conta de que esse problema não é só meu. Não fazer nada é muito ruim hoje em dia. Almoçar é ruim, ir ao banheiro, tomar banho, até dormir é ruim. É tudo perda de tempo. Vejam quantas pessoas deixam de almoçar porque estão fazendo alguma coisa imprescindível que o chefe pediu. Quantas vezes você já ouviu: "Dormir pra quê? Quando morrer, eu durmo de vez".

E férias? Quantas vezes vocês já ouviram falar que precisam de férias das férias? Viajar não é pra descansar. É pra fazer tudo que você não faz normalmente... sem parar! Se forem férias turísticas, é preciso conhecer tudo no menor tempo possível... até a exaustão! E dizemos que as férias foram para "descansar a mente" como desculpa para nosso cansaço físico.

Em conversas com professores sobre a confusão do ano letivo de 2009 que teve gripe suína e confusões no Enem, todos reclamam que não tiveram e não tem tempo para concluir suas propostas porque tudo está muito rápido. E a conclusão sempre parece ser que a culpada é a tecnologia. Foi ela que fez nossa vida ficar conectada com os fusos horários de outros continentes e, assim, nosso dia passou a ter horas infinitas. E, como a tecnologia pretende fazer tudo mais rápido, os resultados humanos precisam ser tão rápidos (ou mais) quanto às máquinas.

Os designer sabem bem o que é isso. Tendo a tecnologia como ferramenta, sempre recebemos ordens do tipo "faz um cartaz rapidinho aí". Para aqueles que trabalham com web então... muito pior! A web não pára! E tem mais... e quando nós conseguimos ser mais rápidos que a máquina? Quando ela demora a processar nossos arquivo pesados e somos culpados por isso? E quando a impressora não imprime nosso trabalho pronto porque o arquivo ainda está passando pelo cache? Mas a culpa é da tecnologia? Se ela é uma ferramenta, a culpa é nossa. É a forma como nós a usamos e nos tornamos dependentes dela.

Por causa disso, sabem o que eu fiz na tarde de domingo? NADA! Claro que não deu pra ficar a tarde toda de bobeira, né? Mas acho que vou começar a valorizar mais o meu tempo livre. O meu tempo de não fazer nada.

4 comentários:

Graça disse...

Há uma música famosa da Rita Lee onde, num determinado momento ela descreve um "dolce far niente sem culpa nenhuma". Foi um sucesso enorme.
Entretanto para cada um "não fazer nada" tem um significado". Para mim é fazer palavras cruzadas, ver meus seriados de televisão, ler um livro legal que não seja de minha área de estudo e, sobretudo, não pensar em nada que atrapalhe o meu descanso.
O que você escreveu me lembra o Bauman que, em outras palavras, ao verificar que tudo é líquido, que vivemos a era do instantâneo as pessoas não querem parar para não ficar para trás e perder o bonde da História. Elas se esquecem que reflexões promotoras de transformações se fazem quando a mente está aberta e descansada.
Portanto, há que se trabalhar sim mas sem deixar de lado os momentos indispensáveis do "dolce far niente"

fichagas disse...

arrumei duas outras desculpas pro meu "não fazer nada" de ontem:
1- foi aniversário do Flamengo e eu TINHA que assistir ao jogo.
2- foi dia da proclamação da república, então, eu fiz uma homenagem àquele povinho de Brasília... não fiz nada!

ps.: Bauman é bem pessimista quanto a isso. Ele faz eu me sentir ainda mais culpado e quase excluído do mundo. Mas vou nadar contra essa maré de vez em quando...

Graça disse...

Quase terminando a leitura da Modernidade Líquida tenho a sensação de que o Bauman faz muito mais uma constatação da realidade do que é propriamente um discurso pessimista.
Mas isso é uma discussão filosófica que dá panos para mangas e hoje estou louca por um dolce far niente.
A propósito: a música da Rita Lee é "Banho de Espuma" e foi sucesso nos anos 80.

Anônimo disse...

Só me culpo por não fazer nada de produtivo, quando penso que poderia ter sido muito solidária visitando um lar de idosos, trabalhando com crianças carentes, passando amor ao próximo. Ver uma pessoa feliz só com o seu sorriso, com um aperto de mão, com uma oração, nossa é incrível. Descansar faz parte da natureza, precisamos do fazer "nada". Mas, depois que nos tornamos mãe nunca mais ficamos sem fazer "nada".
Bjs
SMS