terça-feira, 16 de outubro de 2012

Tocante

Intocáveis (Intouchables, 2011) é bem melhor do que você imagina. É bem escrito, bem dirigido, bem editado e muitíssimo bem atuado. Os dois protagonistas disputaram o César de melhor ator (Oscar francês), que ficou merecidamente com o negão Omar Sy (primeiro negro a ganhar o prêmio), vencendo inclusive o ganhador do Oscar Jean Dujardin (d'O Artista). Foi a maior bilheteria em língua não-inglesa do ano passado em todo o mundo. Apesar disso, foi mal recebido nos Estados Unidos não só por ser estrangeiro, mas por ser "agressivo e estereotipado" demais. Aliás, essa foi a crítica n'O Globo. Talvez por isso tenha demorado a chegar por aqui.

Questiona-se o estereótipo do negro ferrado e deficiente zilionário numa França em crise. Questiona-se até mesmo a troca de culturas porque, na história real que inspirou o filme, o enfermeiro não era negro e sim argelino (mais uma contribuição xenófoba do país?). Tenha isso em mente, mas entendam que isso vai se apagar assim que os dois atores começarem a contracenar.

"Somos todos iguais". "Só o amor constrói". São algumas das frases cliché que virão à sua cabeça depois do filme. A trama poderia ter virado um filme pesado por conta da história trágica do riquíssimo tetraplégico Philippe (o perfeito François Cluzet) e do ex-presidiário senegalês Driss (Omar Sy).



Driss é boa praça, sedutor, descolado, verborrágico e excelente dançarino. Politicamente incorreto, diz o que pensa e se espanta com os rapapés da alta burguesia. Através de Philippe recebe uma chance de fugir de sua realidade complicada na periferia e reencontrar um caminho na sua vida. E, através de Driss, Phillipe percebe uma chance de escapar de dias sem esperança e sem estímulos. É através do bom humor e da sinceridade mordaz de duas concepções diferentes de vida que vai conquistando o outro sem pieguice ou falsa compaixão. Ambos se colocam enfim vulneráveis, se despem de suas certezas.
Ele é insuportável, vaidoso, orgulhoso, brutal, inconstante, humano. Sem ele, eu estaria morto por decomposição. Abdel cuidou de mim sem cessar, como se eu fosse um bebê de colo. Atento ao menor sinal, presente em todas as minhas ausências, ele me liberou quando fiquei preso, me protegeu quando eu estava fraco. Ele me fez rir quando eu não aguentava mais. Ele é meu diabo guardião. (citação do livro "O segundo suspiro", escrito por Phillipe Pozzo di Borgo, o protagonista real, sobre Abdel Sellou, o verdadeiro enfermeiro)
São os contrastes que dão equilíbrio ao filme: riqueza X pobreza, negro X branco, clássico X moderno, drama X comédia, desigualdades físicas X sociais, realidade X fantasia. Nenhuma dessas questões, contudo, chega a ser abordada em profundidade no roteiro dos diretores Olivier Nakache e Eric Toledano, pois o importante é a relação entre Philippe e Driss. Destaque para o elenco de apoio que também vai muito bem e mostra como a bondade pode mudar tudo. TUDO.

A frase que vai realmente ficar na sua cabeça é: não seria possível aliar uma boa vida a menos certezas e armaduras, também fora das telas? Fica a dica.

PS.: Não confundam com Os Intocáveis (The untouchables, 1987), o famoso filme de Brian De Palma sobre Eliot Ness e Al Capone.

Um comentário:

Wallace disse...

Já tinha ouvido falar do filme, realmente parece ser excelente!