sábado, 1 de outubro de 2016

Arte ao Lado: Bianca Behrends

Goste você ou não, o Carnaval brasileiro é uma expressão cultural nacional reconhecida mundialmente. O Sambódromo apresenta todo ano um trabalho artístico incrível realizado por um gigantesco número de pessoas. Uma dessas pessoas é Bianca Behrends, cientista social especializada em cultura popular brasileira, que se tornou carnavalesca e membro da Comissão de Carnaval do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis. Ela é responsável pela documentação artística dos enredos, atuando no processo de concepção, desenvolvimento e execução dos temas propostos… ou seja, dá vida ao enredo, transforma história em arte. É ela que confecciona com todo comprometimento e devoção o material descritivo do enredo para todos nós podermos entender o trabalho artístico que está sendo apresentado na Avenida.

Desenho original da caravela espanhola que foi o
abre-alas em 2004 para o enredo Manôa - Manaus
Amazônia Terra Santa que alimenta o corpo, equilibra
a alma e transmite paz

(Arquivo G.R.E.S. Beija Flor de Nilópolis)
Temos visto neste projeto que a maioria dos artistas se relaciona com sua arte de forma intrínseca e natural. No entanto, Bianca - como ela mesmo diz - “caiu de paraquedas” no Carnaval. Por causa de questões acadêmicas e burocráticas (e insistência de sua mãe), foi fazer um curso de Introdução à Cultura Popular Brasileira que serviria “somente” como um benefício titular em um possível concurso público. Porém, Roberto da Matta e Rosa Magalhães começaram a encantá-la. Em 2003, a tijucana e salgueirense fervorosa acabou conseguindo estágio em outro município… em Nilópolis. Como seriam só quinze dias, Bianca nem se estressou, só não esperava que logo no quarto dia, seu trabalho fosse se tornar o carro abre-alas dando à Beija-Flor o campeonato daquele ano. Claro: imediatamente efetivada. E no ano seguinte? Bicampeã.


Até então, Bianca adorava seu trabalho, mas confessa que não acreditava que ficaria no Carnaval. Em 2007, teve que assistir pela TV a Beija-Flor vencer o Carnaval. Foi aí que se deu conta que já tinha virado azul e branco e que não conseguiria ficar sem o canto da comunidade que se eleva na Marquês da Sapucaí. Em suas palavras: “tinha sido embriagada por essa cachaça que é o Carnaval.”

Carro do campeonato de 2005 sobre as missões jesuíticas no Brasil.
Carro do campeonato de 2015 com enredo sobre a Guiné Equatorial.

Ao longo desses treze anos, Bianca não só é hexacampeã com a Beija-Flor, como também é tricampeã pelo Canto da Alvorada (Belo Horizonte / MG) e tricampeã do prêmio Plumas e Paetês / Melhor Pesquisadora, entre outros. Apesar de tanta renúncia pessoal, grana curta e horários imprevisíveis, é feliz no que faz.

Na verdade, feliz sou eu de ter alguém como Bianca próximo a mim. Chega a ser difícil de explicar... difícil não em palavras, mas em todo sentido emocional. Estudamos juntos na mesma escola desde sempre, por isso, nos conhecemos há mais de 30 anos. Esse tempo forjou uma amizade que não se apega ao cotidiano, mas aos laços fortes que a história (alvo de suas pesquisas!) acaba trazendo. Aliás, feliz são todos que a tem por perto. Seu humor impagável, seu coração gigante e sua capacidade de falar em hipertexto são características daqueles sambas que levantam a avenida e fazem a gente esperar ansiosos o próximo carnaval (ou o próximo encontro).

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Doces memórias


No início do ano falei de um gatilho olfativo de alfazema que me lembrou minha avó. Agora o gatilho foi outro: infelizmente foi pela passagem de uma tia-avó muito especial que tive na minha vida. Ela foi a pessoa mais doce, carinhosa e inocente que já conheci e - creio - não conhecerei igual. Acho até que ela era um erê, um espírito criança, que veio ao mundo para aflorar o que há de mais doce na gente. E é dessa doçura que me veio a memória.

A rabanada que ela fazia no Natal era insuperável (eu comia umas quatro antes da ceia!). Sua panquequinha de banana eu nunca mais vi igual e não sobrava nos pratos aos domingos. Seu jeito simples e risada gostosa adocicava tudo mais.

Impossível lembrar dela sem contar que ela escondia jujubas, bombons e biscoitos no armário. As crianças eram as únicas que podiam comer seus doces, os quais ela gostava de dar em segredo como se criasse um elo de ligação ainda mais forte, ainda mais doce. Nem preciso dizer que nós (em cinco primos) somos apaixonados por doces, chocólatras mesmo. Não por culpa dela, mas sim graças a ela.

Ela também me ensinou a gostar de Clara Nunes e é por isso que fecho aqui com uma de suas músicas.


Com licença que vou ali comer uma jujuba.

sábado, 10 de setembro de 2016

Verdadeiros valores olímpicos

Só em 2008 comecei a acompanhar as Paralimpíadas e a palavra IMPRESSIONANTE me tomou. Ver alguém com paralisia cerebral ganhar medalha foi INSPIRADOR. Até concordei com o chato do Alberto Bial que chamou o evento de SUPEROLIMPÍADAS. Já havia virado fã com todas as conquistas dos atletas e percebi que tinha muita a refletir. Em 2012, continuei acompanhando e até mesmo preferindo acompanhar as superações.

Se você reler minhas postagens, verão inúmeros questionamentos que fiz e todos eles continuam na minha cabeça. Parece que só de 4 em 4 anos as pessoas prestam atenção nisso e, mesmo assim, muita gente só está vendo agora porque é na nossa casa. A hipocrisia parece ter se tornado uma condição intrínseca ao brasileiro. Mas saindo disso, acredito que os verdadeiros valores olímpicos só aparecem agora nas Paraolimpíadas (sim, vou manter o O). Vamos entender um pouco isso...

Os Jogos Olímpicos tem sua origem associada às competições atléticas na Antiguidade realizadas para celebrar os deuses. Eram considerados uma obrigação moral, uma vez que beleza e força eram exercitadas pela ginástica e pelas artes, desenvolvendo o corpo e a alma juntos. Em 1894, o barão francês Pierre de Coubertin propôs o retorno dos Jogos para que os povos desenvolvessem uma série de princípios universais que poderiam ser aplicados não somente ao esporte, mas à educação e à sociedade. São três os valores associados aos Jogos Olímpicos:
AMIZADE = O amigo procura entender o próximo apesar das diferenças e estende a mão; tem em relação ao outro atitudes e sentimentos positivos como empatia, compreensão, honestidade, compaixão, confiança, solidariedade e reciprocidade positiva. A chama olímpica representa à amizade e, por isso, a tocha viaja pelo mundo, passando de mão em mão, levando o espírito dos Jogos.

EXCELÊNCIA = É dar o melhor de si, tanto no esporte quanto na vida. Não é vencer, mas sobretudo participar, fazendo progressos face a objetivos pessoais, esforçando-nos por sermos cada vez melhores nas nossas vidas. O lema olímpico – Citius, Altius, Fortius (mais rápido, mais alto, mais forte) – representa a excelência.

RESPEITO = É o sentimento de consideração por outra pessoa, de outro país, cor, gênero ou crença. Inclui o fair play (jogo limpo), a honestidade, respeito a si mesmo (não ao dopping) e ao meio ambiente. Os anéis entrelaçados são a marca dos Jogos e também o símbolo do respeito, pois representa a união dos cinco continentes de forma universal, sem discriminações.

Em 1948, Sir Ludwig Guttman, neurocirurgião alemão, desenvolveu um novo tratamento para reabilitação de soldados ingleses feridos na Segunda Guerra Mundial: uma competição esportiva anual que começou no mesmo dia dos Jogos de Londres daquele ano. Em 1960, o evento foi para Roma junto com os Jogos Olímpicos e se tornou a primeira versão oficial dos Jogos Paraolímpicos, acompanhando seu calendário. Tendo como lema a frase “Espírito em Movimento” e acreditando que a superação dos atletas portadores de alguma deficiência são o exemplo claro da excelência olímpica, foram determinados quatro valores Paralímpicos:
DETERMINAÇÃO = Dá foco, direção e confiança. Faz com que acreditemos em nós mesmos e continuemos a fazer o que é melhor até o nosso limite, mesmo em situações adversas. Como disse Albert Eistein: “Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade”.

CORAGEM = É a firmeza de espírito para enfrentar difíceis situações físicas, emocionais e morais. Ela nos ajuda a enfrentar a dor, o sofrimento, o medo, o perigo, a incerteza e a intimidação. Também nos dá força para agir corretamente contra a vergonha, a desonra e o desânimo, permitindo que sejamos nós mesmos independente das diferenças.

IGUALDADE = É ser o mesmo em quantidade, medida, valor ou status, assegurando imparcialidade, oportunidades e tratamentos iguais para todos sem olhar para religião, etnia, raça, sexo e idade. Como valor paralímpico, também quebra as barreiras de discriminação com as pessoas portadoras de necessidades especiais.

INSPIRAÇÃO = É ser o exemplo, inspirar os outros de forma positiva, tornar-se uma fonte de ideias para completar uma tarefa ou fazer algo especial. Como valor paralímpico, a superação de cada atleta é uma constante inspiração para todos nós.
Então, vejam... os quatro valores paraolímpicos são bem óbvios e claros ao se assistir as competições. Agora releia os três valores olímpicos e perceba que eles acontecem muito mais nas Paraolimpíadas onde não há adversários, mas seres humanos desafiando a si mesmos que conhecem a dor do outro.

É realmente preciso rever muita coisa. Não só dentro de nós mesmos - quando tornamos enorme um problema pequeno -, mas também no universo coletivo - quando temos dificuldade de enxergar o outro e o julgamos sem sabermos suas particularidades. Talvez o maior sentimento que brota nesses jogos é o da ESPERANÇA, pois vemos que o impossível é só uma palavra com um prefixo chato.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Arte ao Lado: Giuseppe Gammarano

Giuseppe Gammarano nasceu em Salerno, Itália, em 17 de novembro de 1910. Emigrou para o Brasil em 1933 e foi trabalhar na Gusmão, Dourado & Baldassini, Ltda., uma das maiores construtoras do Rio de Janeiro. Casou-se com Nina Cruz Gammarano em abril de 1948, com quem teve dois filhos, Ricardo e Bianca. Gammarano havia concluído seus estudos na Scuole Serali Artigiane di Disegno Applicato Alle Arti, em Nápoles e, embora exercesse a função de desenhista-projetista na construtora, sua formação artística o fez buscar o Núcleo Bernardelli, que concentrava vários artistas da época nos porões da Escola Nacional de Belas Artes, como Takaoka, Pancetti, Malagoli, Rescala, Milton Dacosta, Bustamante Sá e Edson Motta. Faleceu em 1995, deixando vasta e belíssima produção artística que inclui desenhos, perspectivas, baixos relevos, medalhões, cartazes e principalmente a escultura da cabeça de Mercúrio, “Deus do Comércio”, que se encontra na fachada do prédio da Associação dos Empregados no Comércio, na Avenida Rio Branco.



Autorretrato
Então... esse Arte ao Lado é diferente, porque não está exatamente "ao lado": é in memoriam. E não conheci Seu Pepe, mas fui amigo de sua esposa Dona Nina e de sua filha Bianca, também arquiteta. As duas também não estão mais por aqui, porém, estive junto de ambas. Pude ouvir algumas histórias de Seu Pepe e tive acesso a seus incríveis trabalhos. Essa postagem vêm de uma dívida pessoal que sempre senti por não ter conseguido ajudar Bianca em vida a mostrar o trabalho de seu pai.

Bustos de Nina.
Busto de Homem e de Mulher Negra.

Ainda devo e ainda vou pagar.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Arte ao Lado: Rogério Ruiz

As artes clássicas nortearam o entendimento ocidental de beleza, mas Rogério Ruiz buscava nas emoções dos artistas a contextualização que levava à reflexão: “Uma obra de arte é tudo que causa reação no espectador. Para o bem ou para o mal.” Talvez por essa razão tenha sido tocado pelo figurativismo abstratizante, onde os artistas precisam ter o talento da realização da obra e a capacidade de adequá-las à linguagem contemporânea sem perder sua essência.

Equilibristas VI. Acrílica sobre tela de Odilla Mestriner (1973). Coleção particular.

A Santa.
Nanquim e colagem sobre cartão de
Odilla Mestriner (1966). Coleção particular.
A cirurgia plástica deu a Rogério um espaço para desenvolver seu senso estético e a possibilidade de desenvolver uma coleção de arte que apaziguasse (e - por que não? - instigasse) seu espírito. Começou a comprar obras de artistas que, além de agradá-lo, “conversassem entre si”. Assim, Odilla Mestriner, Lívio Abramo, Djanira, Darel Olivença, Babinski, Wesley Duke Lee, entre outros, o recepcionam quando chega em casa. Como colecionador, Rogério entende a necessidade de preservação e difusão da arte. Com essa ideia, recentemente, escreveu o livro Odilla Mestriner - O olhar do colecionador (São Paulo: Giostri, 2014), onde reuniu e organizou as informações que conseguiu rastrear de todas as obras da artista.

Contar como conheci Rogério seria preciso censura. Ou uma novela mexicana que passasse depois da meia-noite. Mas sempre ficou claro que beleza é algo que ele respira e transpira: a estética é seu suor e sua paixão.