domingo, 4 de dezembro de 2016

"A arte existe, porque a vida não basta"

Este ano o Centro Cultural do BNDES montou uma exposição para comemorar os 85 anos de carreira de Ferreira Gullar, que tive a oportunidade de conhecer com meus alunos.

Entrada da exposição.

A exposição traçou uma linha cronológica com textos, vídeos, livros, objetos, fotografias, pinturas, colagens e até músicas feitas por esse múltiplo artista maranhense.

Poema Sujo (1976), um dos principais poemas da literatura brasileira.
Poema Enterrado (1959), apresentado pela primeira vez em público.

Eu já conhecia alguma de suas obras por três razões: (1) dou aulas de Arte e um professor de Arte não pode desconhecê-lo; (2) sou fascinado pelo Concretismo/Neoconcretismo do qual ele fundamental; e (3) julgo que minha veia artística se inspira no que foi feito por Gullar. Ainda tive a oportunidade de ver este ano o Manifesto Neoconcreto escrito por ele na Tate Modern, em Londres (abaixo).


Há alguns anos atrás, ele apareceu na mídia contando sua história de vida por causa de seus dois filhos com esquizofrenia, assunto que, naquela época, estava sendo retratado em uma novela. Mas o grande público não sabia de sua capacidade de dizer tudo com poucas palavras. Sinceramente... acho que nunca soube.

É dele a sábia frase que entitula esta postagem. Agora, em sua morte, espero que ele seja elevado ao seu lugar de direito, ao hall dos grandes artistas brasileiros, responsável por mostrar ao mundo nosso potencial para a Arte.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Arte ao Lado: Amador Perez

Na primeira edição do Arte ao Lado, fiz uma postagem sem conversar diretamente com o artista (no caso, Fabio Lopez). Hoje faço o mesmo para escrever sobre Amador Perez. Na verdade, escrevi sobre ele há 2 anos por conta da exposição comemorativa de seus 40 anos de carreira (Memorabilia), mas gostaria de reescrever e acrescentar algumas coisas.

Ofício I, do díptico baseado em "Newton", de William Blake.
Desenho, série "Imagens e espaços", 1991, grafite, 10 x 14 cm, Coleção do Artista.

Chamá-lo de desenhista é reduzi-lo. Sua técnica em grafite transborda do academicismo e inunda suas obras com uma riqueza de detalhes, uma perfeição estética inigualável. Isso oferece a abertura necessária para explorações técnico-visuais, onde Amador se permite embaralhar grafite, gravura, fotografia, impressão, Photoshop e até mesmo objetos pessoais em novas representações artísticas.

Livro de artista Nijinski:Imagens. 2013.
Estudos a partir de "Madame Récamier", de David.
Tonergrafia, série "Impressões da Arte", 2004, impressão a laser sobre papel, 42 x 29,5 cm.
Série COSMO-LÓGICA.
Negativo da imagem do desenho Indeciso, série Eus e Um, 1990, grafite e lápis de cor, 14 x 11 cm.

Em uma grata oportunidade, Amador resumiu diretamente sua relação com a arte:
A arte salva. Esse é o meu lema e escopo. É por ela e através dela que sobrevivo.
O interessante disso é pensar que ele foi meu salvador. Conforme escrevi anteriormente, Amador foi meu professor na faculdade. Sua fala doce, seu amor pelo ensino, pelo design e pela arte transbordavam para aqueles que - como eu - andavam desmotivados pelo boulevard esdiano. Com ele aprendi a errar e encontrar beleza no erro. Aprendi a insistir e persistir em busca de um processo significativo, relevante, engrandecedor que transcende o resultado.

Mais uma vez, obrigado.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Arte ao Lado: Bida

O ímpeto criativo pode vir de diversas fontes, seja de uma urgência da alma, de uma necessidade de ocupação do tempo ocioso ou até mesmo de uma questão prática e comercial (Graphz Galeria). Assim pensa Alcebíades Maia Souto Jr., o Bida, diretor de arte e publicitário de formação.

Ter projetos em mente nos quais investir faz com que ele crie imagens autorais utilizando referências e trabalhos já conhecidos, que vão desde o abstracionismo geométrico à estampas de ladrilhos hidráulicos. Uma vez que costuma buscar a síntese, se interessa por soluções gráficas que tragam o mínimo em matéria de elementos e traços, como logotipos, HQs antigas do Recruta Zero, a Pop Art de Warhol e Tozzi, o neoplasticismo de Mondrian e a arte cinética de Cruz-Díez.


Bida não se preocupa com o desenvolvimento de um estilo próprio, uma personalidade que o torne “reconhecível”. Ele diz que “gera uma certa anarquia visual”, mas é nítida sua pluralidade artística que transborda de seus gostos pessoais para suas habilidades profissionais.



Além disso, Bida é um excelente anfitrião.

sábado, 1 de outubro de 2016

Arte ao Lado: Bianca Behrends

Goste você ou não, o Carnaval brasileiro é uma expressão cultural nacional reconhecida mundialmente. O Sambódromo apresenta todo ano um trabalho artístico incrível realizado por um gigantesco número de pessoas. Uma dessas pessoas é Bianca Behrends, cientista social especializada em cultura popular brasileira, que se tornou carnavalesca e membro da Comissão de Carnaval do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis. Ela é responsável pela documentação artística dos enredos, atuando no processo de concepção, desenvolvimento e execução dos temas propostos… ou seja, dá vida ao enredo, transforma história em arte. É ela que confecciona com todo comprometimento e devoção o material descritivo do enredo para todos nós podermos entender o trabalho artístico que está sendo apresentado na Avenida.

Desenho original da caravela espanhola que foi o
abre-alas em 2004 para o enredo Manôa - Manaus
Amazônia Terra Santa que alimenta o corpo, equilibra
a alma e transmite paz

(Arquivo G.R.E.S. Beija Flor de Nilópolis)
Temos visto neste projeto que a maioria dos artistas se relaciona com sua arte de forma intrínseca e natural. No entanto, Bianca - como ela mesmo diz - “caiu de paraquedas” no Carnaval. Por causa de questões acadêmicas e burocráticas (e insistência de sua mãe), foi fazer um curso de Introdução à Cultura Popular Brasileira que serviria “somente” como um benefício titular em um possível concurso público. Porém, Roberto da Matta e Rosa Magalhães começaram a encantá-la. Em 2003, a tijucana e salgueirense fervorosa acabou conseguindo estágio em outro município… em Nilópolis. Como seriam só quinze dias, Bianca nem se estressou, só não esperava que logo no quarto dia, seu trabalho fosse se tornar o carro abre-alas dando à Beija-Flor o campeonato daquele ano. Claro: imediatamente efetivada. E no ano seguinte? Bicampeã.


Até então, Bianca adorava seu trabalho, mas confessa que não acreditava que ficaria no Carnaval. Em 2007, teve que assistir pela TV a Beija-Flor vencer o Carnaval. Foi aí que se deu conta que já tinha virado azul e branco e que não conseguiria ficar sem o canto da comunidade que se eleva na Marquês da Sapucaí. Em suas palavras: “tinha sido embriagada por essa cachaça que é o Carnaval.”

Carro do campeonato de 2005 sobre as missões jesuíticas no Brasil.
Carro do campeonato de 2015 com enredo sobre a Guiné Equatorial.

Ao longo desses treze anos, Bianca não só é hexacampeã com a Beija-Flor, como também é tricampeã pelo Canto da Alvorada (Belo Horizonte / MG) e tricampeã do prêmio Plumas e Paetês / Melhor Pesquisadora, entre outros. Apesar de tanta renúncia pessoal, grana curta e horários imprevisíveis, é feliz no que faz.

Na verdade, feliz sou eu de ter alguém como Bianca próximo a mim. Chega a ser difícil de explicar... difícil não em palavras, mas em todo sentido emocional. Estudamos juntos na mesma escola desde sempre, por isso, nos conhecemos há mais de 30 anos. Esse tempo forjou uma amizade que não se apega ao cotidiano, mas aos laços fortes que a história (alvo de suas pesquisas!) acaba trazendo. Aliás, feliz são todos que a tem por perto. Seu humor impagável, seu coração gigante e sua capacidade de falar em hipertexto são características daqueles sambas que levantam a avenida e fazem a gente esperar ansiosos o próximo carnaval (ou o próximo encontro).

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Doces memórias


No início do ano falei de um gatilho olfativo de alfazema que me lembrou minha avó. Agora o gatilho foi outro: infelizmente foi pela passagem de uma tia-avó muito especial que tive na minha vida. Ela foi a pessoa mais doce, carinhosa e inocente que já conheci e - creio - não conhecerei igual. Acho até que ela era um erê, um espírito criança, que veio ao mundo para aflorar o que há de mais doce na gente. E é dessa doçura que me veio a memória.

A rabanada que ela fazia no Natal era insuperável (eu comia umas quatro antes da ceia!). Sua panquequinha de banana eu nunca mais vi igual e não sobrava nos pratos aos domingos. Seu jeito simples e risada gostosa adocicava tudo mais.

Impossível lembrar dela sem contar que ela escondia jujubas, bombons e biscoitos no armário. As crianças eram as únicas que podiam comer seus doces, os quais ela gostava de dar em segredo como se criasse um elo de ligação ainda mais forte, ainda mais doce. Nem preciso dizer que nós (em cinco primos) somos apaixonados por doces, chocólatras mesmo. Não por culpa dela, mas sim graças a ela.

Ela também me ensinou a gostar de Clara Nunes e é por isso que fecho aqui com uma de suas músicas.


Com licença que vou ali comer uma jujuba.