Transcrevo a coluna de Beto Silva (um dos
Casseta) para a
Revista de Domingo do jornal
O Globo de domingo, dia 27 de março de 2011:
Eu adoro jogar pelada. Gosto tanto que não resisti e ambientei numa pelada o início do livro que estou lançando, "Cinco contra um". O livro não é especificamente sobre peladas nem sobre futebol, mas o personagem principal desse romance adora bater uma peladinha, assim como eu.
Muita gente não entende, mas, para nós, peladeiros, o futebolzinho semanal é um momento quase sagrado de nossas vidas. Nós esperamos ansiosos por aquelas duas ou três horinhas em que vamos chutar uma bola e ingar os amigos numa quadra de futebol. Muito peladeiro é capaz de desmarcar reuniões importantes, adiar compromissos marcados há semanas, dar desculpas esfarrapadas para não ir ao jantar de família e alguns chegam até a desmarcar o cinema com a namorada, com todas as consequências que isso pode acarretar, só para não perder a pelada com os amigos.
A pelada é tão importante na vida de alguns caras que muda até alguns de seus hábitos. Normalmente, o homem quando vai fazer compras não se comporta como as mulheres que meem em tudo na loja, viram e reviram as roupas epostas. O homem não é assim, ele fica grilado de tirar as roupas das pilhas porque acha que depois vai ser obrigado a dobrá-las de novo. E homem não sabe dobrar roupa. Ele fica com medo de bagunçar a loja e tomar uma bronca da vendedora. Mas quando o cara vai comprar material esportivo para jogar a sua pelada sagrada ele se transforma, parece uma moça, não se preocupa com nada, calça todas as chuteiras, tira tudo do lugar, não descansa até conseguir se decidir pelo uniforme ideal. Tudo bem, depois de se transformar numa perua deslumbrada ao comprar o uniforme da pelada, ele volta ao normal e tão cedo não vai entrar numa loja por vontade própria. O peladeiro se apega à sua chuteira, não a troca por nada, não deia nem que seja lavada, para quê? Afinal, ela vai sujar de novo na próxima pelada! Ele só vai comprar outra chuteira cinco anos depois, quando o barco que se abriu na sola atrapalhar a perfeição do chute de trivela.
Aliás a pelada é tão importante para alguns homens que é o único lugar em que ele repara na roupa de outro:
— Que camisa maneira!
— É a camisa retrô do segundo título brasileiro do Flu. Lembra? Aquele do gol do Romerito... E a sua?
— Uniforme que o Inter de Milão ganhou o mundial! Oficial! Custou uma fortuna!
E muitos homens casados acabam discutindo com as suas mulheres por causa da pelada. Os peladeiros tem quase certeza de que, quando chegam em casa felizes e imundos da pelada, suas mulheres entram em estado de alerta. E então um pequeno detalhe pode desncadear uma feroz discussão. Esse detalhe é a quantidade de gemidos do homem. Porque homem que chega da pelada, principalmente a partir de uma certa idade, sente várias dores musculares e geme por dois dias seguidos E quando as mulheres escutam os gemidos do peladeiro, uma transformação acontece, e elas resolvem que aquele é o momento para discutir a relação. Como o homem nessa hora não quer conversa, está naquele estado de burrice pós-pelada, em que só consegue falar do golaço que fez, do drible maravilhoso que deu ou no máimo do passe de letra que quase conseguiu executar, então a discussão é inevitável.
Mas, se você é um peladeiro inveterado, haja o que houver, nunca faça como um amigo meu, que no auge da discussão, quando a mulher lhe perguntou "afinal, a pelada é mais importante que a sua mulher?", ele respondeu: "Depende das condições do campo e da qualidade dos jogadores." Fim do casamento.
Então, galera, usem esse texto para peitar suas esposas, namoradas, agregadas e afins!