Faço questão de reproduzir aqui na íntegra a coluna de
Miriam Leitão que saiu na última terça-feira no blog que a jornalista mantém n'
O Globo, inclusive com o mesmo título para essa postagem:
As declarações do ministro Aldo Rebelo sobre o fato de a ex-ministra Marina Silva ter carregado a bandeira olímpica poderiam ser apenas mais uma exibição dos maus modos do ministro, ou de suas esquisitices. Mas foi pior do que isso. Sua fala pública e a de outros nos bastidores mostram que eles confundem país com governo, o que é comum apenas em regimes autoritários.
O mal estar gerado por algo que deveria ser visto como um motivo de orgulho foi mais significativo do que pode parecer. É autoritarismo o que está implícito na ideia de que só governistas podem representar o país, suas causas, suas lutas. Era comum no regime militar essa mistura entre o permanente e o transitório, essa apropriação do simbolismo da pátria pelos governantes. É também falta de compreensão do que é o espírito olímpico: a boa vontade que prevalece sobre as diferenças. Foi por isso que os escolhidos representavam o combate à pobreza, a luta por justiça, os pacificadores, o esforço de convivência entre povos, a preservação da Terra.
Quem o ministro gostaria que fosse o símbolo da proteção da floresta? Ele e seu projeto de Código Florestal que permitia mais desmatamento? Marina dedicou a vida a essa causa, desde o início de sua militância com Chico Mendes. Esse é um fato da vida.
“A Marina sempre teve boas relações com a aristocracia europeia. Não podemos determinar quem a Casa Real vai convidar, fazer o quê?”, disse o ministro dos Esportes. Nisso revelou que desconhecia os fatos, as regras de etiqueta, a lógica da festa, o simbolismo da bandeira olímpica, o que o governo inglês pretendia com a abertura e até quem é responsável por organizar a festa. Obviamente, não é a Casa Real.
Isso é mais espantoso, porque o Brasil é o próximo país a receber uma Olimpíada e a preparação já está em andamento. Se essa pequenez exibida na declaração do ministro tiver seguidores, o Brasil fará uma festa governamental. Outro integrante do governo comparou a escolha de Marina ao desfile de um trabalhista na frente de um governo conservador. A espantosa confusão não é exclusividade do ministro, é feita por outros graduados funcionários. Outros concordaram com essa canhestra interpretação. A demonstração de desagrado do governo brasileiro foi tão evidente que o representante inglês se sentiu obrigado a lembrar aos jornalistas o óbvio: a escolha não foi política, porque este não é o momento.
O governo poderia interpretar os fatos como os fatos são. O Brasil é detentor da maior fatia da floresta com maior biodiversidade do planeta. É o segundo país em cobertura florestal do mundo. O primeiro é a Rússia, que não tem a mesma riqueza de espécies. Nem de longe. A escolha de uma brasileira demonstra esse reconhecimento de que, numa causa estratégica para o século XXI, o Brasil tem destaque.
Marina mostrou que tinha entendido exatamente o que tudo aquilo representou. Fez declarações delicadas e com noção da grandeza do momento. O incidente não é apenas uma descortesia à Marina, mas uma demonstração de falta de capacidade de compreensão do espírito olímpico por parte dos governantes do país que organizará a próxima Olimpíada.
Autoridades que falaram aos jornalistas, com o compromisso de não divulgação de seus nomes, explicaram por que estavam amuadas: não foram avisadas. Como a ex-ministra disse, os organizadores pediram que não divulgasse a informação. Ela fez isso. Até a presidente Dilma deu uma nota fora do tom ao dizer que “o Brasil fará melhor" na festa de abertura. “Vai levar uma escola de samba e abafar”. A hora era de elogiar a festa de Londres e entender a complexidade da preparação da abertura de uma Olimpíada. Não basta chamar uma escola de samba.
Pra quem não sabe, Marina Silva é reconhecida mundialmente por seu trabalho de defesa do meio-ambiente. Ela entrou carregando a bandeira com os anéis olímpicos juntamente com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o maestro argentino Daniel
Barenboim, o ex-boxeador Muhammad Ali, o fundista etíope Haile Gebreselassie e alguns prêmios Nobel. O convite partiu do Comitê Olímpico Internacional, sem o conhecimento do governo brasileiro, e foi mantido em sigilo a pedidos. Acabou dando mais ibope que a
presidenta...
E tem muito mais... o presidente da Câmara, Marco Maia, disse que ficou surpreso e que o COI deveria ter feito um melhor trabalho de comunicação com o governo brasileiro "para a escolha das pessoas". Outro membro da delegação (que pediu para não ser identificado) acredita que o COI fez o equivalente a convidar um membro da oposição britânica para um evento no Brasil que tenha o governo de Londres como
convidado especial.
E a educada e delicada Marina explicou que recebeu o convite poucos dias antes e, para não criar polêmica com a
presidenta, insistiu em dizer que "sentia orgulho" em ver a primeira
presidente mulher do país na arquibancada do estádio olímpico. Para ela, a emoção olímpica se equiparou à sua alfabetização tardia.
Gente... esse ano é de eleição. Vamos começar a mudar essa governância. Não reconhecer os ideais olímpicos é digno de repulsa. Começo a temer o que vem por aí em 2014 e 2016.