quinta-feira, 8 de maio de 2014

Aranha Dois

Dois anos depois saiu a sequência do novo herói aracnídeo: O Espetacular Homem-Aranha 2 - A ameaça de Electro (The amazing Spiderman: The rise of Electro, 2014).


Antes de falar qualquer coisa, é preciso que você entenda o seguinte:

  • A Marvel é detentora dos seguintes heróis: Homem-Aranha, X-Men, Vingadores e Quarteto Fantástico, entre muitos outros (como Demolidor, Elektra, Blade e Motoqueiro Fantasma).
  • Para colocar seus personagens na telona, a Marvel vendou os direitos deles para diversas empresas.  Só que acabou vendo algumas tragédias cinematográficas (as do parágrafo acima).
  • Depois que fez dinheiro com isso, decidiu criar sua própria produtora para tomar controle dos filmes.
  • X-Men e Quarteto Fantástico estão com a Fox. O primeiro filme da trilogia mutante é bom, o segundo razoável e o terceiro é fraco. A nova trilogia começou bem demais e tem um novo chegando aí. Os solos do Wolverine são bons e só. Os do Quarteto são péssimos e tem o reboot com jeito de tragédia vindo aí.
  • Homem-Aranha está com a Sony. Acertou em Tobey Maguire, mas errou em todo o resto. O ator carrega sozinho os filmes, sendo que o segundo é o que realmente vale a pena.
  • Os Vingadores estão com a própria Marvel e aí tivemos o arrasa-quarteirões Vingadores e todos os filmes solo do Capitão América, Thor e Homem de Ferro. Teremos ainda Guardiões das Galáxias 
  • Isso quer dizer que poderemos ver na tela um encontro dos X-Men com o Quarteto Fantástico, mas nunca teremos o Homem-Aranha nos Vingadores ou encontro deles com Wolverine.
Dito isso... vamos ao filme.


O reboot do Aranha pegou um novo viés (já expliquei no post do filme) que segue o Universo Ultimate da Marvel (algo como um reboot nos quadrinhos) com a trama dos pais de Peter Parker. Aliás nessa postagem anterior eu acertei uma coisa: a boa evolução dos personagens Peter e Gwen Stacy (Andrew Garfield e Emma Stone). Aliás, o filme só é bom quando tem essa dinâmica, mesmo nos problemas. E o destaque fica todo com Emma, porque ela engole o filme. Uma pena o previsível final (previsível porque quem lê quadrinhos esperava isso), mas abre a brecha para um nova e melhor (pelo-amor-de-deus!) Mary Jane.

Esse é o segundo filme com um casal protagonista bombando... 2 + 2 = 3 vilões? ERRADO! Quem mandou botar três vilões? Será que já não aprenderam com o terceiro filme da primeira trilogia (aquele que tem o Homem-Areia, o Venom e o filho do Duende Verde) que isso não funciona? O novo Duende Verde de Dane DeHaan é bem mais interessante do que o canastra James Franco dos anteriores. Jamie Foxx está péssimo e tem uma origem horrível (Fato: nos quadrinhos, Electro é um banana. Nunca foi tão poderoso quanto essa versão cinematográfica. Somente a versão Ultimate chegou perto de algo tão forte). E Paul Giamatti como o Rhino... por onde começar? O desperdício desse ator em um papel pequeno de um vilão medíocre está nos dizendo duas coisas: que ele está levando muito dinheiro e que ele estará em outros filmes (já se sabe disso).

O excesso de tramas (espionagem, genética, política, amor adolescente, culpa, formatura etc etc etc) cria algumas barrigas e quebra algumas narrativas. Mas o filme se aproxima bem mais do que realmente é do personagem nos quadrinhos. Ele não é maduro e sério, então não é um filme do Capitão América (ou do Batman). O herói precisa ser o Peter sofrido (bem mais do que o Batman) e o Homem-Aranha amigão da vizinhança porque sua identidade é secreta. Ele não é Tony Stark / Homem de Ferro. Sua essência passa pelos problemas adolescentes e isso está (até demais) no filme. A relação dele com a culpa pelo Capitão Stacy e - principalmente - pelo Tio Ben é fundamental para a construção do personagem. Sally Field aterra o filme com sua Tia May real.

Vá ao cinema e veja em 3D. Vale a pena toda a diversão.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Jesus Cristo Super-humano

Não era nascido quando Andrew Lloyd Weber e Tim Rice criaram a opera rock Jesus Cristo Superstar (1970) que causou polêmica com sua versão dos últimos dias desse personagem religioso, comparando-o a uma celebridade com gírias de gangues e intensas disputas de poder. Sua relação complicada com Judas é o que norteia essa história, que ainda conta com a presença de Maria Madalena bem próxima a Jesus e com a ausência de Maria e José.

Imagino a confusão que não deve ter sido... E não parou por aí: em 1973, saiu uma versão cinematográfica (Jesus Christ Superstar) que colocou ainda mais lenha na fogueira. Considerando que era década de 1970 cheia de paz e amor, esperava-se mais liberdade e compreensão, mas, quando se mexe com religião e seus cânones, nada é seguro.

Aqui no Brasil tivemos uma versão em 1972 com tradução de - ninguém menos - que Vinícius de Moraes! E agora, em 2014, saiu a nova versão da peça (mais rock menos hippie) causando tanta polêmica quanto antes... afinal... estamos em tempos de conservadorismos hipócritas ligados à interpretações superficiais dos Evangelhos. Falaram até em excesso de sexualidade na interpretação de Jesus só porque botaram um bonitão sarado Global no papel (também culpa da imagem de divulgação aí embaixo).


Acontece que Igor Rickli SABE CANTAR! E muito! Já o tinha visto em Hair e ele realmente dá um show (como cantor, porque sua atuação é meio over)! Todos sabemos o enredo e aonde vai parar, mas como eles vão chegar lá e com que intensidade é o que interessa. Não há sexualidade, mas um jogo de poder forte que não se costuma abordar. Mostra-se um messias bem mais mortal, mais humano. Ele tem dúvidas, sofre, briga.

O Judas de Alírio Neto é o outro personagem principal e chega a parecer mais importante que Jesus com seus contrastes (menos a peruca horrorosa). Ele carrega o rock na voz e o emprega ao espetáculo. A cantora Negra Li traz suavidade e afinação à sua Maria Madalena. Os cenários são minimalistas e as atuações fora do tom. Por ser um musical espera-se grandes músicas, mas isso não acontece. Tirando um grande momento vocal de Rickli (em Getsêmani), uma ótima surpresa de Herodes (Wellington Nogueira) e os surpreendentes graves de Caifás (Gustavo Muller), nada se destaca. Só a história em si.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Deutscher Werkbund


Fundado em 1907, o Deutscher Werkbund - uma associação de arquitetos, artistas e empresários - tinha por objetivo melhorar a qualidade dos produtos industriais e teria sido o primeiro a pensar no desenho industrial e em uma identidade corporativa. "Não existia antes a profissão de designer industrial e o Werkbund tinha a preocupação de formar esses profissionais. Além disso, foram inovadores ao propor unidade e harmonia no design corporativo, criando uma identidade, presente da logo aos produtos", explica Martin Gegner, responsável por trazer a exposição 100 anos de Arquitetura e Design na Alemanha ao Brasil, que também é professor visitante da FAU-USP e diretor do escritório do DAAD-SP.

Apesar de muito influente no design e arquitetura internacionais, nem sempre a Deutscher Werkbund é reconhecido por seu trabalho. O objetivo da exposição é tornar toda essa influência mais visível. No Brasil, a associação é famosa apenas em círculos especializados: eu, por exemplo, que estudei na (ainda?) considerada melhor faculdade de design do país, nunca havia ouvido falar. E olha que Peter Behrens, presente na minha dissertação de mestrado na mesma instituição, era fundador! Sabe quem mais fazia parte do seleto grupo? Walter Gropius, Marcel Breuer, Mies van der Rohe e Max Bill (que ajudou na fundação de tal escola!)! bom... por ser uma associação, o Werkbund estava constantemente discutindo seus direcionamentos formais e políticos, diferente da Bauhaus, cujos conceitos eram bem definidos pelos mestres (hmmm... será que está aí a explicação da doutrina que me ensinaram e continuam ensinando?).

A ótima exposição traz produtos, cartazes, móveis e maquetes... me deixou com um ar de enganado e de ignorante, porém, furiosamente instigado a saber mais e melhor. Ela ainda é gratuita e fica até 18 de maio no excelente Centro Cultural São Paulo.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Centro Cultural São Paulo


Conheci o Centro Cultural São Paulo e fiquei impressionado. Inaugurado em 1982, a partir da necessidade de uma extensão da Biblioteca Mário de Andrade, transformou-se em um dos primeiros espaços públicos culturais multidisciplinares do país. Além dos inúmeros espaços de convívio - onde encontramos jogos de xadrez, ensaios de peças de teatro e de dança, grupos musicais e muita gente estudando ou relaxando -, o espaço oferece uma biblioteca, uma gibiteca (!!!), uma discoteca (!!!) e uma hemeroteca (coleção de jornais e revistas periódicas!!!), um teatro de arena, cinema, diversas áreas expositivas e jardins!

Não tem nada parecido no Rio de Janeiro. Nem mesmo o clima artístico que o lugar exala. Começo a entender porque sempre ouço que as opções culturais de São Paulo estão muito acima das do Rio. Culpa da praia? Ou do carioca?

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Cartazes do cinema nacional

Ziraldo
Também no MAM, estava a exposição 4x3: A arte do cartaz de cinema, com alguns exemplares de cartazes do cinema nacional realizados pelos incríveis Ziraldo e Benício. O texto da exposição de Hernani Heffner, conservador da Cinemateca, é tão didático e importante que vou reproduzir aqui:
O cartaz cinematográfico é uma peça publicitária prosaica e efêmera. Tem por função divulgar o filme e atrair o espectador para a bilheteria e para a sala de exibição. Em sua linguagem particular, constituída nas primeiras décadas do século XX em meio à formação da indústria cinematográfica, antecipa o gênero e por vezes o tom da narrativa, associando-os quase sempre à imagem dos protagonistas. O cartaz cinematográfico se insere também no chamado star system, a política de estrelismo que em geral conduz a relação da produção com o público, mas de forma menos direta do que se pensa. Como elemento de apelo volta-se prioritariamente para a indicação do que será oferecido como emoção pelo produto fílmico.

A liberdade formal alcançada pelo cartaz cinematográfico em seus primeiros tempos deriva de um conjunto de restrições. Papel barato, impressão em escala e baixa definição impediam o uso da fotografia como ícone do filme, permitindo o desenho e a rotogravura como técnicas mais adequadas. Somente após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento das tecnologias gráficas e a supremacia consolidada do filme hollywoodiano no mercado mundial, o cartaz assumiu progressivamente a foto de uma cena ou personagem como elemento visual central.

A imposição de um padrão de produção envolvendo todo o processo de realização e comercialização dos filmes encontrou resistências pela afirmação dos cinemas nacionais, entre os quais o brasileiro. Nesse sentido, o cartaz revestiu-se também de valores particulares. Ao mesmo tempo em que ressaltava a promessa de divertimento/reflexão, reenviava para determinadas tradições locais, quer fosse a da ilustração gráfica, a do modernismo pictórico ou a da iconografia pop. Contra a mesmice publicitária do império, desenvolvia o refinamento contido na cultura visual local, transformando-se em peça artística maior. Em resumo, quanto mais criativo ou “experimental” o cartaz, maior a afirmação política de uma cinematografia frente ao ocupante de seu próprio mercado.

O singular na experiência brasileira é sua extensão mesmo à produção eminentemente comercial, caso dos filmes e cartazes escolhidos para esta exposição. Produzidos entre as décadas de 1950 e 1970, os exemplares se destacam por sua consciência de traço, estilo, síntese temática e sobretudo investigação poética dos tipos humanos e seu contexto sócio-cultural. Jayme Cortez, cartazista preferido do ator-produtor–diretor Amácio Mazzaropi, põe em relevo a figura esquecida da era juscelinista. A riqueza de detalhes na composição dos diferentes trabalhadores proletários ou suburbanos, indica a tentativa de sincronia com a nova era urbano-industrial paulistana e com o público presente nas salas, antes da virada crítica proporcionada pela adesão definitiva ao caipira, consagrada na personagem Jeca Tatu. Tensão e movimento permeiam essas imagens, explorando algumas das virtudes dos quadrinhos admirados e praticados por Cortez.

A passagem aos cartazes de Ziraldo e de Benício evidencia algumas rupturas. Em sintonia com sua geração, o primeiro, ao mesmo tempo em que homenageia a tradição de ilustração e de humor que vai de Angelo Agostini a Chico Caruso, vai buscar no modernismo paulistano o traço redefinidor do ingresso em uma nova etapa histórica. O advento de uma classe média brasileira e do hedonismo utópico dos anos 1960 lhe proporcionam o material para investigar sobretudo esse novo homem citadino, que se quer boêmio e mulherengo, mesmo em tempos de ditadura militar. Rebeldes e anárquicos são moldados à imagem e semelhança de uma cultura solar, alegre e libidinosa que emerge na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

Benício
Benício continua e aprofunda essas referências, chegando por seu lado a um modernismo carioca, evidenciado na obra de um J. Carlos, e por outro à atualidade de uma sociedade de consumo em formação. Seus cartazes também exibem a consciência do crescente protagonismo feminino em meio a esse país que se quer fazer grande, moderno e rico. A pornochanchada lhe proporciona a moldura perfeita para o jogo de espelhos com os passantes eventuais e os voyeurs da sala escura. Suas mulheres olham diretamente, encaram, interrogam, sem deixarem a sensualidade acabada de fora, muito pelo contrário. A imagem, a sedução e a cupidez quase sempre andam juntas.

A arte dos 3 cartazistas põe em relevo um momento de transição histórica da sociedade brasileira, deslocando a figura central da era industrial, que a rigor ainda nem se instalara de fato, e fazendo emergir novas personagens, mais características de uma etapa pós-industrial, que se constituiu par e passo ao desenvolvimento econômico emanado do ABC paulista. A seleção das 4 personagens matiza as possibilidades artísticas e culturais em torno do padrão típico de composição da peça. Trabalhadores, boêmios, “gostosas” e imagens auto-referentes (do tipo, do ator/atriz, do ícone cultural), este último em salto metalingüístico, ao mesmo tempo indicador da maturidade do discurso visual do cartaz cinematográfico brasileiro e da complexidade de sentidos negociados perante o público, são uma parte da galeria de uma sociedade que procura se afirmar também pelo intrincado labirinto de construção de uma auto-imagem, onde ser “malandro”, em muitos sentidos, já não é mais um ato ingênuo ou chanchadesco.

O cartaz do Ziraldo para o filme A mulata que queria pecar (1977), pra mim, beira à perfeição. Fiquei com gosto de quero mais, principalmente ao ver livros e dissertações sobre o assunto também expostos e ter, como a última peça da exposição, uma pequena reprodução quase escondida e mal iluminada de uma capa de J. Carlos para a revista Para Todos.