terça-feira, 29 de setembro de 2015

Rock-ish in Rio

Em 2013, escrevi postagens sobre o Rock in Rio. Vou fazer de forma bem mais reduzida o que achei de alguns shows que vi no conforto do meu lar:
Comemoração dos 30 anos do Rock in Rio Achei bem bacana trazer diversos representantes da música brasileira para abrir o evento e relembrar grandes shows. Destaque pra Frejat com Ney Matogrosso. Ficou a prova q um dia tivemos um excelente rock nacional. Hoje estamos devendo.

Homenagem a Cássia Eller Que falta que ela faz! Só musicão! Nem importou quem cantou! Pena que cortaram o momento que todos ficaram de peito de fora pra mostrar o quão subversiva e foda Cássia era.

The Script Fui surpreendido pelos irlandeses. Som bacana, estilo pop rock. Vou baixar algumas músicas deles.

One Republic O status de grande compositor do vocalista eleva as expectativas. Os sucessos Apologize e Counting stars não seguraram o show morno. Eles mesmos pareciam só estar ali pro Queen se preparar. Gostei mais do The Script.

Queen Antes de tudo preciso dizer que é idiota quem ficou comparando Adam Lambert com Freddie Mercury. Em nenhum momento, ele ou a própria banda estavam fazendo isso e deixaram bem claro em TODAS as entrevistas da turnê mundial! Então: ponto final nisso (sim, Freddie é outro nível, mas Adam é mais bonito). Sobre o show, só vi acertos. Desde o próprio Adam com seus figurinos glamourosos à genialidade de colocar Freddie em Bohemiam Rapsody e na lendária Love of my life. Aliás, na história de 30 anos do evento, essa é talvez A música ícone. Adam não poderia cantá-la. O guitarrista Brian May foi pra frente e deixou mais uma vez o público se entregar. Novamente histórico.

Seal Sou fã da voz aveludada com vários discos na estante e posso dizer: festivais de música não são o melhor lugar pra lançar álbum e cantar músicas ainda desconhecidas. Passei pela mesma coisa no show que fui de lançamento do álbum System. Ele costuma cantar 5 músicas conhecidas (Crazy e Killer nunca faltam) e entre 7 e 10 músicas novas que ainda não levantam o público por mais dançante que seja.

Elton John No passado (bem passado mesmo) até pode ter sido um bom show, mas ficar sentado num piano durante 1h30 e levantar duas vezes pra fazer macacada sem microfone que possa interagir com o público não rola. Passei a mesma coisa no show dele na Apoteose. Sorte que as músicas salvam.

Rod Stewart Sério que esperaram tanto por ele? Nunca fui fã da voz rouca e do jeito canastra. Esse show confirmou isso: dançarinas que cantam pra ocupar o tempo num show morno. Me senti enganado.

De la Tierra Deixei a TV ligada durante esse show porque não conhecia essa banda mista e não é meu tipo de som, mas duas coisas me chamaram a atenção: o comentário/manifesto do vocalista argentino Andrés Gimenez sobre o fato da banda ser a única de rock latino a tocar no evento e a onipresença do guitarrista brasileiro Andreas Kisser que homenageou acertadamente os Titãs com a música Polícia.

Slipknot Depois do último Rock in Rio, confesso que fiquei esperando o show dos mascarados com a bateria giratória que ficava de cabeça pra baixo. Nada de surpresas esse ano, mas parece ter sido um show bem empolgante para a família de mother fockers do metal. O demônio se arrepiou com o baterista central e com a galera pulando depois da ordem do vocalista na música Spit it out. Final apoteótico com os fogos do festival.

Ultraje a Rigor Banda, que faz parte daquele rock bom e crítico que fazíamos há anos atrás, mandou os clássicos com o baterista possuído e o Roger mordendo a língua como um velho gaga. Erasmo Carlos entrou pra dividir e o som ficou ruim. Depois o tremendão partiu pros seus sucessos, mas não rolou. PS.: As letras das músicas do Ultraje deveriam ser estudadas!

Lulu Santos Tá global, tá ainda mais celebridade e posudo, mas tá cantando muito as suas músicas clássicas junto com milhares de pessoas aos berros! Caiu como uma luva no dia pop do evento, levando Mr. Catra e mais um monte de artista vindo do The Voice, Superstar etc etc etc.

Sam Smith Tão ansioso estava pra ver esse show que ignorei o Sheppard que veio antes. E ele me abre com I know I'm not the only one. Matou. Com seu primeiro e único premiado álbum estourado nas paradas, o show não tinha como ser ruim, mas foi bem morno, como se suas músicas não funcionassem em festivais de grande porte, mas num show mais intimista. No entanto, daquela carinha jovem com olhos azuis sofridos de um coração partido sai um vozeirão que preenche o palco e não precisa de muito mais.

Rihanna O último álbum da bela diva não fez sucesso e nem turnê teve. Doida pra lançar um novo trabalho, trouxe um show pout-pourri de sua carreira. Parecia estar se divertindo no palco e levou os fãs à loucura só com suas melhores em versões reduzidas (e um "play backing vocal"). Impossível ficar parado!

A-Ha O som da minha adolescência. Vem muita coisa na memória... das festas americanas aos passinhos e música lenta com copos ou vassouras pra trocar de par. É a prova de que música boa é atemporal, mesmo q Morten já não alcance mais seus falsetes como antes em um show que amornou com a chuva, mas manteve velhos corações aquecidos.

Katy Perry A turnê Prismatic aterrissou no Rio com seus cenários, figurinos e coreografias esperados. A carnuda Katy gritou sem precisar, pois o público sabia tudo de cor. Destaque para as múmias peitudas e bundudas: fantasia de carnaval e até mesmo de Sapucaí! O show em si foi legal... e o momento de chamar alguém do público foi "vergonha alheia" pura!

CONCLUSÃO
Mesmo que não tenha atraído o público esperado, ainda é um puta evento! A transmissão do Multishow deixou um pouco a desejar se compararmos à última edição, mesmo assim, vale ouro poder ver tudo sem passar perrengue.

sábado, 26 de setembro de 2015

Arte ao Lado: Fabio Lopez

Hoje a proposta é um pouco diferente. Quem acompanha este projeto, sabe que tenho feito três perguntas para pessoas próximas a mim que estão ligadas a alguma forma de arte. Só que com o Fabio Lopez tive que mudar por duas razões: (1) já escrevi tanto sobre ele aqui que já tem até um marcador só pra ele; (2) ele estava imerso há mais de um ano num puta projeto que saiu essa semana, o miniRio.

O Rio em pictogramas. (clique para aumentar)
Tudo organizado! Nada aleatório! (clique para aumentar)
Amante de tipografias, Fabio criou duas famílias para o projeto. (clique para aumentar)

O projeto começou como uma catalogação de linguagem, ícones, locais, coisas e experiências tipicamente cariocas e se tornou uma extensa coleção de pictogramas que homenageiam e representam visualmente os patrimônios culturais materiais, imateriais e afetivos percebidos pelos próprios cariocas em sua cidade do Rio de Janeiro. Não preciso explicar muito porque o site do projeto está minucioso.



Perceba que o vídeo acima já dá algumas respostas do que eu teria pedido a ele. Sua inquietação e olhar crítico aguçado se unem a uma incrível qualidade técnica para mais um resultado maravilhoso. Mais um porque ele é "pai" do Bando Imobiliário, do War in Rio, do Batalha na Vala, do Homem de Neandertype e da marca do Centro Carioca de Design. Também participou da criação da marca dos Jogos Olímpicos no Rio, fez selo natalino e brincou de melhorar o brasão da República brasileira, além de muito mais que vocês podem encontrar no marcador dele aqui no blog ou no site do projeto.

Percebeu o poço de criatividade? No vídeo ele fala: "não gostaria de passar o resto da vida fazendo isso". Claro que não! Um inquieto como ele não pode parar mesmo! Nós não queremos também! Inspirador! Quero que meus alunos tenham essa inquietude.

PS.: Normalmente eu faço um último parágrafo explicando meu vínculo com o artista em questão, mas - como esse caso é diferente - eu já tinha uma postagem de 2009 sobre ele aqui. ;) Repetindo da época: obrigado por existir, Fabio.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Parque de subversões

O artista gráfico britânico Banksy é conhecido mundialmente por sua arte de rua (grafite, estêncil e sticker) com forte teor crítico. Mês passado ele foi um dos principais assuntos da mídia por conta de sua nova e megalomaníaca obra: a Dismaland, uma versão bizarra de parques temáticos com intervenções artísticas subversivas idealizadas pelo próprio e também por nomes da arte contemporânea atual, como Damien Hirst, Wasted Rita e Jenny Holzer.


Localizada em Somerset, região no litoral da Inglaterra e claramente inspirada na Disneylânia, há reproduções de atrações famosas da casa do Mickey, como um decadente Castelo da Cinderela com a carruagem da princesa após um acidente cheia de paparazzi, uma estátua 3D da Pequena Sereia com glitch (tilt), uma orca saltando da privada, entre outras coisinhas.


Pena que só vai ate o dia 27 de setembro. Merecia continuar aberto sofrendo novas intervenções e aquisições.

sábado, 19 de setembro de 2015

Arte ao Lado: Beatriz Dreux


“Por que eu faço? Olha… eu vou ser bem sincera e admitir que, às vezes, eu não sei porque eu faço. Eu sei mais porque eu NÃO deixaria de fazer, que é simplesmente porque eu não consigo não fazer. Meu corpo sente falta, minha cabeça sente falta. Nem agora, que teoricamente eu estaria de férias, consigo ficar parada. Acho que tudo isso significa que eu amo muito o que eu faço. Às vezes, cansa, dói, é difícil… mas a realização de subir no palco e mostrar pras pessoas o quanto eu amo o que faço é incrível. E mais incrível ainda é chegar no final de um show e ver todo mundo te aplaudindo. É aí que você percebe que todo aquele cansaço e aquela dor não foram à toa e tudo valeu a pena”.
Beatriz Dreux já não dança mais somente com o corpo, pois sua alma se expressa em cada movimento que faz. Sua resposta acima é a epítome do que move um artista: saber que a arte está intrínseca a ela mesma, que é sua raison d’etre. Ela também nos revela que seu dia-a-dia não é fácil, pois, em muitos momentos, a arte a leva além dos seus próprios limites físicos e mentais. Mas a perseverança de Beatriz já podia ser vista em seus rompantes de teimosia na sala de aula. Durante o ano e meio em que fui seu professor, tivemos vários embates. Eu, com pouca experiência, queria dobrar a “rebeldia adolescente”, mas, na verdade, não estava totalmente ciente do foco e da direção que ela estava tomando.

(Fotos: Lucas Campêlo)

(Foto: Lucas Campêlo)
Nas aulas de Projeto Final - quando Beatriz pode me mostrar uma pequena parte do seu amor pela dança ao fazer um livro sobre o Centro de Artes Nós da Dança (CAND) -, comecei a vislumbrar sua relação com a arte. Acompanhei até hematomas e uma internação! Agora ela me conta que, em 2013, teve aulas e competiu no Seminário Internacional de Dança de Brasília, onde também fez audição para Lamondance, um programa de treinamento pré-profissional para bailarinos em Vancouver, no Canadá.

Passou, é claro.

Coreografia de Davi Rodrigues (Fotos: Yvonne Chew)

Professores da companhia e também alguns convidados dão 16 horas de aulas/ensaios por semana entre dança moderna/contemporânea, ballet, improviso e condicionamento físico. De setembro a junho, são realizadas pequenas apresentações pela cidade e, no fim da temporada, acontecem dois dias de show da companhia. Alguém duvida do quanto ela está gostando de tudo isso?

Coreografia de Monica Proença, medalha de ouro no Surrey Festival of Dance and Dancepower.
Trailer de River of january, coreografia de Monica Proença para a Lamondance.

Fica bem óbvio que fazer o que ama é uma das receitas para a felicidade plena.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A nova da Zelândia

Há mais ou menos um ano falei aqui sobre a possibilidade de mudança da bandeira do Reino Unido a partir da saída da Escócia. Fiquei intrigado com essa questão da mudança de um símbolo nacional e agora surgiu uma outra situação parecida.


O primeiro ministro da Nova Zelândia decidiu criar um concurso para mudança da bandeira do país, uma vez que a atual ainda possui referência ao Reino Unido e é muito semelhante a da Austrália. Lançou até um vídeo sobre design de bandeiras para orientar os concorrentes:


Um comitê independente analisou as 10.292 sugestões enviadas, revelando no mês passado uma seleção de 40 bandeiras. Vejam:

Repetição de alguns motivos como o koru (a espiral com vários significados), a constelação do Cruzeiro do Sul com outras estrelas, formas geométricas que representam símbolos maori e a folha de samambaia prateada. (Clique para ampliar)

Dessas quarenta, o comitê vai fechar em quatro opções que irão para um referendo popular ainda este ano para decidir a melhor de todas. E, em março do ano que vem, um novo referendo irá decidir se a população quer ou não trocar o símbolo nacional. Pesquisas preliminares ainda estão indefinidas, pois, enquanto alguns querem se livrar do passado de colônia, outros acham que o gasto elevado (mais de 17 milhões de dolares) é desnecessário e desrespeita o legado.

E você acha o quê? Não tenho opinião totalmente formada, mas já escolhi minha bandeira dentre as 40 opções.

sábado, 12 de setembro de 2015

Arte ao Lado: Mari Leal

“O que é arte?” é uma pergunta que nem passa na minha cabeça querer responder. Suas tênues linhas com o artesanato tornam ainda mais complexa a questão. No entanto, não é nada de difícil olhar o trabalho de Mariana Leal e chamar de arte.

Não me pergunte como ela fez esse bolo de cabeça pra baixo. S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L!

Como você percebeu, Mariana faz bolos modelados em pasta americana, personalizando-os de acordo com o tema encomendado (quase impossível escolher as fotos!). Ela me contou que leva em torno de dois dias: no primeiro, realiza a parte de confeitaria (assar, preparar recheios, rechear, prensar, preparar o bolo para receber a pasta americana… e você sabia que tinha isso tudo? Pois é… nem eu!) e, em seguida, começa a parte artística (cobrir o bolo com pasta americana, desenvolver as modelagens e finalizar). Mas essa é a - literal - mão na massa! O trabalho começa no minuto que chega um pedido.


Ela diz que muitos clientes chegam com ideias fechadas e imagens para cópia, acompanhadas da frase “quero igual”. Porém, Mariana não imita trabalhos dos outros (nem mesmo o próprio!) e deixa claro que vai se inspirar no que foi apresentado para criar um bolo original. Até agora: satisfação garantida. E, quando ela ouve “faz do jeito que você quiser”, aí a criatividade se esbalda em diversão. Ah… esqueci de falar o primordial: os sabores e as texturas são ótimos! Nada de bolo seco sem graça! Gente… o cupcake de churros é de fazer vergonha e enfiar tudo na boca!


Mariana era (e ainda é!) a menina bonita da escola. Eu estudava de manhã e ela à tarde e, mesmo assim, sua beleza era lendária! E não pensem que era só isso, porque a bela virou advogada. Os bolos eram hobby, mas a excelente qualidade do resultado transformou a brincadeira em trabalho (“vivo deles e para eles”) e a carreira no Direito ficou pra escanteio. Ela diz que, apesar de ter sido uma difícil decisão, hoje ela tem a qualidade de vida que queria para cuidar da família que construiu com meu melhor amigo de infância!

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Festa no céu

A morte é um fato inexorável. Mas somos tão apegados que a ausência e a perda nos tira do eixo. As diversas culturas deste mundo tentam dar explicações que possam amenizar esses sentimentos duros, a maioria falando de um além-vida maniqueísta, onde ou você foi bom em vida e vai para um tipo de paraíso ou você foi mal e irá sofrer pela eternidade. E ainda tem aquelas que falam numa reencarnação punitiva.

Mas o México tem um outro jeito de lidar com isso. A animação Festa no Céu (The book of life, 2014) nos conta que os mexicanos separam o outro lado nos Lembrados e os Esquecidos. Por mais previsível que seja o enredo da animação - triângulo amoroso que todo mundo sabe como vai terminar -, a mensagem é interessante: faça de tudo para ser lembrado em vida positivamente e você viverá em festa! É preciso rever o passado, mas não segui-lo à risca, pois cada um tem sua própria a história a escrever.


Quero conhecer mais sobre o Dia de los Muertos: o dia que não se lamenta as perdas, mas se celebram às vidas! Muitas cores vibrantes transformam o ícone sinistro da caveira num estilo visual único. Aliás, a animação tem um estilo de bonecos de madeira que o torna ainda mais incrível. Um frescor no meio de tantas animações relativamente iguais, que vale a pena ser visto.

sábado, 5 de setembro de 2015

Arte ao Lado: Felipe Zúñiga

Felipe Zúniga é filho de Luiz Alberto Zúniga (pra sempre aquele abraço sinestésico) e Cíntia Kury. Eu poderia escrever parágrafos de elogios aos meus dois mestres eficientes, geniais, simples, doces, acolhedores… ih comecei… mas não. Agora é hora de falar da maior criação dos dois, desse artista visual que meio que vi crescer à distância (papo de tia velha).

Ao convidar amigos, conhecidos e familiares para este meu projeto, fiz três perguntas que seriam o norte para um texto escrito por mim. Já de cara recebi o seguinte do Felipe:
“O processo criativo é um assunto deveras cabeludo, mas não é imune a eventuais cortes na barba e vez ou outra sintetizar a coisa. Vou sentar com as tuas indagações e bancar o Louco do tarô. ‘O que você faz?’ imediatamente me lembrou de uma colocação do Faulkner: An artist is a creature driven by demons. He doesn't know why they choose him and he's usually too busy to wonder why. Abraço venusiano”
Percebi que coisa boa viria por aí. E, quando recebi as respostas, vi que não poderia editá-las. Algo genial se perderia no caminho. Portanto, colocarei-as aqui na íntegra e aconselho que sejam lidas em sua totalidade:
O que você faz?
Antes de homo faber, de artífice, eu sou aquele que testemunha, o observador. Todo artista é em essência um observador e um interprete do que captou. Cabe ai a ideia de canal também, de antena parabólica para tudo que acontece por ai, em todos os níveis. Alguns dramatizam aquilo que lhes afeta – ou a palavrinha odiosa ‘problematiza’. Eu estou a serviço da egrégora da arte através das minhas criações. O que eu faço é ousar enxergar o invisível, ir além, materializar o espirito ou espiritualizar a matéria.
Hits of sunshine. Nanquim, ecoline, papel de origami, colagem sobre papel.
Como você faz?
Miles Davis. Técnica mista sobre gatorfoam.
A apropriação de imagens e a possibilidade de (re)significá-las surgiu há dez anos atrás depois de uma longa jornada de experimentação com diversas linguagens. Sempre desenhei, mas, não encontrava uma verdade ali, havia uma discordância entre o que eu queria obter em termos gráficos e o que de fato obtinha, dentro das minhas limitações, com o material. Com a pintura foi a mesma coisa, só mais adiante é que eu percebi que eu pintava... Com tesouras. Meu background é totalmente musical – incluindo aí layout de capas de discos, posters, cenografia – design gráfico, manipulação analógica de fotografia e tudo relacionado à 7ª arte e mais recentemente à ópera. Sou uma esponja. Mergulho intensamente em um assunto e vou estabelecendo associações ou pontes dentro dessas linguagens. Todo o pensamento por trás das minhas colagens vem dessa amálgama de mundos, que são opostos/complementares. Não penso apenas na imagem estática, muda, deslocada. Eu vejo interação entre as formas, busco referencias fora-da-caixa, não obedeço a narrativas ou posso partir de uma e depois desconstrui-la.
Do the astral thing. Colagem sobre papel.
Todo processo de criação é uma libertação, tanto em um nível emocional quanto material. Quando concluo eu já sei que não me pertence mais, é do mundo. A descarga energética varia de projeto para projeto, mas, há sempre naturalidade e leveza, não faço parte desse clichê de artista torturado, tudo é um parto sem anestesia. Acho um exagero e até forçado, não se deve perder a ternura jamais. Você é o médium prestes a transformar algo, a gestação pode ter suas turbulências e a criatura nasce como um trovão, mas se for desgastante e não houver prazer há algo de errado aí. Tudo o que produzo é uma aventura, me sinto como O louco do tarô, prestes a se jogar no abismo. Desvendar ou desvelar pouco a pouco uma ideia é algo absolutamente mágico. Descobrir quem é, qual a intenção disso, o que estou querendo comunicar aqui. Esse processo de analise é intermediário a finalização, se é que podemos chamar disso. Eu acredito que um trabalho nunca está pronto, ele apenas para em lugares interessantes. Isso me fascina e ao mesmo tempo enlouquece, pois há um infinito de outras soluções que poderiam ser dadas ou narrativas que poderiam ser esculpidas... Talvez por isso alguns artistas optem por criar variações sobre uma mesma forma, ideia ou cor. Eu gosto de retornar a uma ideia que não gostei e desenvolver um novo olhar sobre aquilo. Não tenho medo do erro. Esses ‘’acidentes’’ podem muito bem transformar uma imagem banal em um ser magnifico. Tudo esta na maneira como se olha, na intenção desse olhar.
Para essa série que estou trabalhando agora – as 78 laminas do Tarô – resolvi abrir espaço para novos elementos e experimentar uma nova rotina de produção. Aliás, rotina de trabalho também é processo criativo, garimpar material idem. Toda vez que eu inicio uma nova jornada eu nunca sei exatamente aonde aquilo pode me levar, essa descoberta é a força motriz. A confecção de uma colagem pode ter inicio antes mesmo de pegar no estilete, tesoura e papel. Fica fermentando dias na minha cabeça, já tenho a imagem pronta, resta saber como materializá-la. E ai se dá essa loucura que é para o colagista ou quem vive de apropriação: a caçada ao material. Às vezes o próprio trabalho vai me informando como e o que devo procurar. Tenho, naturalmente, minhas predileções, e elementos que invariavelmente fico repetindo e aperfeiçoando a cada colagem. É um processo orgânico, desde a escolha da imagem até as camadas, sobreposições que vão surgindo. Não se pode obrigar um trabalho a ser isso ou aquilo, querer confiná-lo em uma ideia. O grande barato está em ir descobrindo seus segredos aos poucos, deixar-se guiar pelo sensorial, se sentir provocado.
O Imperador, a Imperatriz, o Hierofante e a Sacerdotisa. Colagens sobre gatorfoam.
Os Enamorados, o Enforcado, o Diabo e a Morte. Colagens sobre gatorfoam.
Não acredito em inspiração, nem em writers-block. Isso mixaria. Há naturalmente estímulos e ‘’dieta de criação’’ que consiste em se cercar daquilo que pode servir de referencia, expandir os horizontes, abrir o canal e estar aberto para o novo, o inimaginável. É ai que entra a música e o tarô, são os meus portais para abrir o canal com o invisível. Se não está saindo naquele dia, eu aceito e desapego, retorno no dia seguinte. É importantíssimo ouvir o que aquele trabalho está lhe comunicando, as respostas estão ali, mas é preciso mudar a atitude para conseguir perceber as sutilezas. Nesse sentido a pressa é a inimiga da perfeição, tudo que envolve criação tem um tempo próprio, tem uma maturação. Não dá para apressar senão desanda e ai vem essa baboseira de falta de inspiração. Tem que haver continuidade, constância senão não se evolui. E isso é um processo vitalício, ninguém nunca está 100% pronto.
Colagem em escrivaninha.
Por que você faz?
Tem uma frase de Viktor Frankl que sempre gostei que diz: What is to give light, must endure burning. Isso me dá vida e eu dou vida em troca. Captar, imaginar, abrir novos horizontes, materializar, servir e consolidar, me vitalizam. Sem desejo, sem maravilhar-se não se sai do lugar, você envelhece, empobrece a alma. Estou cumprindo o meu decreto nessa 3ª dimensão. Eu me fortaleço, cresço e aprendo muito criando e dividindo o brilho do que faço. Sou um canal a serviço do invisível, não é uma escolha, simplesmente É. Mana (Axé, iluminação) dos meus ancestrais... Fora os diversos aspectos deliciosos no meu mapa. Isso é um decreto.

Liebestod. Colagem sobre papel.
Quando ele escreve que pinta com tesouras, me lembro do seminal Henri Matisse (e do álbum Jazz). Quando vejo suas colagens, me lembro de Richard Hamilton, um dos pioneiros da Pop Art. Não estou fazendo comparações - longe de mim -, mas, em muitos pontos, me peguei impressionado com a maturidade criativa de Felipe, como se ele tivesse encontrado o nirvana espiritual que todo artista busca em sua trajetória. Isso se deve ao fato dele ter 29 anos e eu estar com a tal "Síndrome de Tia Velha".

Me senti inspirado a fazer uma aliteração: “Foda, Felipe. Fez fãs”.