O mesmo homem que criou a religião em seus primórdios para tentar entender o mundo, agora tem a ciência para explicar seus fenômenos. Neste livro, ele retoma o eterno embate entre ciência e religião. E em 2/3 de seu discurso, a ciência parece vitoriosa nas explicações. Mas não nos meios. Leiam esse longo trecho que a Igreja enfrenta diretamente a Ciência e dá até uma pitadinha de Bauman:
A ciência é o novo Deus. Medicina, comunicações eletrônicas, viagens espaciais, amnipulação genética, estes são os milagres sobre os quais agora falamos às nossas crianças. Estes são os milagres que alardeamos como prova de que a ciência nos trará as respostas. As histórias antigas de concepções imaculadas e mares que se abrem não são mais relevantes. Deus ficou obsoleto. A ciência venceu a batalha. Nós nos rendemos. Mas a história da ciência nos custou caro. Custou muito caro para cada um de nós.
A ciência pode ter aliviado os sofrimentos das doenças e dos trabalhos enfadonhos e fatigantes, pode ter proporcionado uma série de aparelhos engenhosos para nossa conveniência e distração, mas deixou-nos em um mundo sem deslumbramento. Nossos crepúsculos foram reduzidos a comprientos de ondas e freqüências. As complexidades do universo foram desmembradas em equações matemáticas. Até o nosso amor-próprio de seres humanos foi destruído. A cieência proclama que o planeta Terra e seus habitantes são um cisco insignificante no grande plano. Um acidente cósmico. Até a tecnologia que promete nos unir, ao contrário, nos divide. Cada um de nós está hoje eletronicamente conectado ao globo inteiro e, entretanto, todos nos sentimos sós. Somos bombardeados pela violência, pela desintegração e pela traição. O ceticismo passou a ser uma virtude. O cinismo e a exigência de provas para tudo converteram-se em pensamento esclarecido. Alguém ainda se admira que as pessoas hoje se sintam mais deprimidas e derrotadas do que em qualquer outra ocasião da história do homem? Será que existe alguma coisa que a ciência considere sagrada? (...) Despedaça o mundo de Deus em parcelas cada vez menores em busca de significados e só encontra mais perguntas.
A velha guerra entre a ciência e a religião está encerrada. Vocês venceram. Mas não venceram honestamente. Não venceram fornecendo respostas. Venceram redirecionando nossa sociedade de modo tão radical que as verdades que outrora víamos como diretrizes agora parecem inaplicáveis. A religião não tem capacidade de acompanhar isso. O crescimento científico é exponencial. Alimenta-se de si mesmo como um vírus. (...) Atualmente calculamos por semana o progresso científico. Estamos girando fora de controle. O abismo entre nós se aprofunda sem parar e, à medida que a religião vai ficando para trás, as pessoas se vêem em um vazio espiritual. Imploramos pelo sentido das coisas. (...) Frequentamos médiuns, buscamos contato com os espíritos, experiências extracorpóreas, uso do poder mental (...) São o grito desesperado da alma moderna, solitária e atormentada, deformada por seu próprio esclarecimento e incapacidade de aceitar que haja sentido em qualquer coisa que seja estranha à tecnologia.
(...) Desde o tempo de Galileu, a Igreja vem tentando diminuir o ritmo da marcha implacável da ciência, às vezes por meios equivocados, mas sempre com intenções benéficas. (...) As promessas da ciência não foram mantidas. As promessas de eficiência e simplicidade resultaram somente em poluição e caos. Somos uma espécie despedaçada e frenética, seguindo um caminho que nos leva à destruição.
Quem é esse deus-ciência? Quem é esse deus que oferece poder a seu povo, mas nenhuma estrutura moral para lhe dizer como usar este poder? Que tipo de deus dá fogo a uma criança, mas não a avisa sobre seus perigos? A linguagem da ciência não vem com diretrizes sobre o bem e o mal. Os livros científicos explicam-nos como criar uma reação nuclear, mas não tem nenhum capítulo discutindo se a idéia é boa ou má.
(...) Estamos exaustos de tanto ser uma diretir para o mundo. Nossos recursos estão esgotados por sermos a voz do equilíbrio enquanto vocês se atiram de cabeça em sua busca or chips menores e lucros maiores. (...) Seu mundo anda tão depressa que, se pararem por um instante que seja para refletir sobre as implicações de seus atos, alguém mais eficiente pode ultrapassá-los em um piscar de olhos. Por isso voces vão em frente. Promovem o aumento das armas de destruição em massa, mas é o Papa quem tem que viajar pelo mundo suplicando aos líderes que tenham prudência. Clonam criaturas vivas, mas é a Igreja que tem de lembrar a necessidade de considerarmos as implicações morais de nossos atos. Incentivam as pessoas a interagir através do telefone, telas de vídeo e computadores, mas é a Igreja que abre suas portas e nos lembra de comungar aqui, no mundo real, que é como se deve fazer. (...)
(...) Mostrem-nos uma prova de existência de Deus, dizem vocês. E eu respondo, usem seus telescópios para olhar o céu e me digam como é possível não haver um Deus. (...) Será que é mesmo tão mais fácil acreditar que escolhemos a carta certa em um baralho em que há bilhões delas? Será que estamos tão falidos espiritualmente que preferimos acreditar numa impossibilidade matemática e não em um poder maior do que nós?
Se vocês acreditam em Deus ou não, tem de acreditar nisto: quando nós, como espécie, abandonamos a confiança em um poder maior do que nós, abandonamos também nossa obrigatoriedade de prestar contas. A fé, todas as formas de fé, são advertências de que existe algo que não podemos compreender, algo a que temos de responder. Com fé, prestamos contas uns aos outros, a nós mesmos e a uma verdade maior. A religião é falha, mas só porque o homem é falho. (...)
O Vaticano já está mandando boicotar o filme assim como fez com o anterior... aliás... assim como fez com os livros. Mas será que o livro foi lido? Será que é outro equívoco na tentativa de frear a ciência?
Eu me considero, de certa forma, um cético. Continuo sendo mais "cientista", porém tenho a minha fé. Esse texto vale uma longa reflexão. Talvez não pela religião ou pela ciência, mas pelos rumos que estamos indo.
(BROWN, Dan. Anjos e Demônios. Trad. Maria Luiza Newlands da Silveira. Rio de Janeiro: Sextante, 2004, p. 314-8.)