sexta-feira, 29 de julho de 2016

Eu e o futebol

Comecei no futebol como goleiro, acreditem. Acho que era uma vontade inconsciente de ser escolhido a qualquer custo, afinal, goleiros sempre eram poucos e fundamentais. Mas você já tomou uma bolada na cara? Ou pior: um frango e sofreu toda a responsabilidade de um jogo perdido? Pois é... sorte que eu tive um treinador que enxergou alguma coisa nos meus pés e me levou pra zaga. Da defesa, virei rapidamente ala esquerda.

Não lembro desse Carnaval em 1980,
mas já vestia o manto do Flamengo.
Talvez a maior quantidade de memórias que eu tenha antes dos 10 anos são referentes ao futebol. Não digo memória de fotografia, aquelas que as histórias são contadas tantas vezes pelos familiares em fotos que você acaba dizendo que lembra. Não. Apesar de não lembrar de quando comecei a jogar futebol na AABB-Tijuca (sou da época que futsal era futebol de salão com lateral batido com as mãos e goleiro que não podia atravessar a bola do meio de campo), me lembro de muito mais. Das aulas às terças e quintas (terça era treino e quinta era jogo), da forma de escolher os companheiros de equipe (sentados em fila por posição), da quadra (do ginásio e do clube todo, na verdade) e até de nomes de colegas (Guilherme, Rodrigo, Rafael, Bernardo, Danilo, João Gabriel, Cristiano...). Mas do que lembro perfeitamente é do momento-chave que mudaria minha relação com o futebol e - bem possivelmente - minha vida toda.

O grupo era divertido (eu estou colocando chifrinho no colega).

Era campeonato do fim de ano de 1986 e meu time chegara na final. Nós havíamos batido o time mais assustador e a confiança era enorme para a final. Mas... nosso goleiro faltou! O desespero começou a bater quando só tinha o pior goleiro do clube pra substituí-lo e não podíamos recusar. O jogo seria duro. Talvez fosse até pra pênaltis ou alguém ganharia por 1 a 0 na dificuldade... mas nós perdemos por 2 frangos a zero.

O safado fazendo graça antes já devia ser um indício da cagada que faria durante...

Minha raiva era enorme. Me lembro até de reclamar com o goleiro no meio do jogo. Não sabia lidar ainda com aquelas sensações e na hora de receber a medalha de prata estava de cara feia. Saí zangado em todas as fotos e não queria falar com ninguém. Chegou o tal momento-chave...

Não achei a foto da medalha... então, vai essa de perdedores embaixo com caras desapontadas.

Naquele mesmo dia em casa, numa tentativa de educar, meus pais disseram, em resumo: "ou você aprende a competir ou você sai do futebol" (rolou também alguma negociação com ver televisão, mas minha memória também já não é tão boa). Veja bem: eu fazia judô e pedi pra sair porque não gosto de brigar e ter que disputar na briga; eu era federado na natação e pedi pra sair porque não gostava de competir; ou seja, eu não queria competir! O que eu não gostava (e ainda não gosto) era de ter dado o melhor de mim e perder por causa de outros. Claro que, na raiva e na teimosia (que me é característica), eu disse: "então, eu paro de jogar futebol".

Eu chamo de momento-chave porque não sei onde estaria hoje se tivesse continuado (penso nisso direto!). Ainda fiquei no clube mais um ano sem vontade até parar. Levei seis anos pra voltar a jogar. SEIS ANOS! Só me permitia jogar no recreio na escola com bola feita de copo plástico e guardanapo. Passei a jogar handebol (que ainda acho muito maneiro). Nem futebol na TV eu assistia. Porém, em 1993, um reinício diferente...

Mesmo sabendo que o Flamengo tinha sido o campeão brasileiro de 1992, eu tinha perdido aquele ímpeto. Vi os gols, me lembro da comoção familiar... mas nada em mim. No ano seguinte, minha turma da escola resolveu fazer um "Bolão do Campeonato Brasileiro". Detesto jogos de azar, mas eu queria participar de algum jeito. Como sempre fui muito inteligente e organizado, resolvi ser o responsável por colher as apostas e redistribuir a grana. Com isso, todo domingo eu esperava o Fantástico pra ver os gols da rodada. Por incrível que pareça, isso reativou a velha chama. Em 1995, fui pela primeira vez ao Maracanã (estreia do Romário no Flamengo em um empate sem gols contra o Fluminense).

Foi meu saudoso amigo Leandro quem me levou de volta às quadras. Jogávamos à noite em inúmeras quadras dos clubes portugueses tijucanos (Vila da Feira, Trás os Montes...). Meu futebol estava enferrujado... mas isso não me impediu de jogar toda terça de 22h à meia-noite no Clube dos Fumageiros. E foi lá, entre amigos, que me redescobri no futebol.

Vencer, empatar, perder. Não importava. Até porque... faça as contas: partidas de 10 minutos num período de duas horas, contando intervalos dá uma média de 8 partidas por dia! Ganhar três era incrível, quatro era campeão mundial! Imagina quando era partida de 2 gols com "rei da mesa" e a partida durava 2 minutos? Então, em uma simples noite, o que importava era a diversão com os amigos, as zoeiras, o papo pós-pelada que enaltecia os erros e não as vitórias. Assistir futebol fosse na TV ou no estádio virou vício. Gritava na janela, discutia futebol e tudo.

Pouco tempo depois, nosso grupo passou das quadras do futebol de salão para o futebol society de grama sintética. Todo domingo, de meio-dia às 13h, num sol escaldante de Vila Isabel, o grupo estava lá. Com embates históricos entre os goleiros Thiago e Percê, a dupla de zaga Claudio e Jorge, a histeria divertida do Afonso e as habilidades de Davi e Neneco. Podia ser Dia das Mães... dos Pais... dos Namorados... até aniversário de filho tinha gente lá pra jogar. Mais um monte de memória, um monte de laços.

O aniversário dos amigos também era comemorado na churrasqueira da pelada.

E foi nesse ponto que comecei a despontar mais na velocidade do que na habilidade. Acredito que foi a forma que meu corpo/cérebro encontrou para suprir os anos parados. Leandro dizia que gostava de jogar comigo por causa disso: ele, zagueiro, jogava no "ponto-futuro" e gritava "corre que dá". E dava. Eu acreditava nele. Ele me levou pra vários outros lugares pra jogar. Em um campo no Jacarezinho (segunda de 22h a meia-noite), eu fiquei conhecido como "velocista" já no primeiro dia.

Só que aos 18 anos, outro momento-chave. Em Teresópolis (que também guarda inúmeras histórias futebolísticas como, por exemplo, eu enfrentando o gigante Bernardo), o campo de grama natural era (e ainda é) de um lado parede e do outro cerca de arame. Num dos meus momentos de velocidade, vi que a bola estava quase saindo na lateral gradeada, mas eu tinha certeza que conseguiria impedir. Pra isso, eu precisaria usar a grade como freio... e foi o que fiz: consegui tirar a bola da lateral me jogando na grade ("como uma lagartixa", diz meu tio). Só que tinha um arame solto na altura do meu joelho... que ficou enganchado e abriu um buraco nele que saía até a gordura!

Toda essa história virou um clássico na minha família, com minha tia tentando "colar" o ferimento com esparadrapo, eu apavorado de medo, a anestesia local e meu pai se jogando em cima de mim no hospital... Esse é outro momento-chave porque passei a rever minha velocidade no futebol. Eu precisava voltar àquele velho futebol de salão. Então, pra recuperar o tempo perdido passei a jogar todo o futebol que via pela frente. Batista, Clube da Light, Asbac, Alto da Boa Vista... Não importava onde ou o horário. Cheguei a jogar futebol 4 vezes na semana! Ainda me destacava pela velocidade, mas, aos poucos, as habilidades foram reaparecendo.

Até aqui, na maioria das vezes jogava ou com o mesmo grupo ou com alguém do grupo que me chamava. Em 2000, o namorado de uma prima me chamou pra fazer parte de um novo grupo em um galpão de São Cristóvão aos sábados. Eu adorei a galera, mas era tanta regra pra poder jogar e fazer parte do grupo que não vingou. Só que em 2001, esse mesmo namorado da prima resolveu dar um tempo da pelada (que saíra de São Cristóvão para o Horto) e abriu a vaga pra mim. Foram ONZE ANOS de pelada.

Saudosos meiões laranjas com chuteiras douradas que se tornavam um borrão veloz!

Eu nem sei como começar a escrever desse período, mas posso te garantir que foram onze anos absolutamente maravilhosos. Não só de futebol (onde atingi meu auge e cheguei a fazer um teste para virar profissional), mas de pessoas, de alegrias, de amizades, de aprendizado, de vida. Não havia o que me tirasse de lá num sábado de 16h às 18h (que na maioria das vezes se estendia até às 20h só no papo). Chuva? Pelada aquática. Carnaval? Pelada fantasiado. Páscoa? Só no chocolate. Casamento? Levava a roupa e ia de lá direto. Teve até pelada contra mulheres (com alguns lances desconcertantes)! Virei tesoureiro da pelada (tem gente que me chamava de presidente), botava dinheiro pra gente jogar, as bolas ficavam no meu porta-malas e sempre fazia churrascos de confraternização e campeonatos. Tinha até blog de zoeira! Ninguém entendia minha fissura e eu mesmo só fui entender na análise. São tantas memórias que a Pelada dos Macacos está pra sempre marcada na minha história.

Um dos campeonatos, onde fiquei novamente em segundo lugar e ainda fiquei conhecido como Avenida Filipe Chagas! Tudo por causa de uma falta absurda que não vem ao caso...
Um dos grupos que passaram nesses onze anos. Só alto nível... de pessoa, porque o nível técnico era questionável!
O pós-pelada e os churrascos eram melhores do que a pelada em si!
Despedida do Chicão, 67 anos dedicados ao esporte bretão de várzea! E jogando descalço! Nada mais que um mito! Inspiração para todos!

O futebol mudou pra mim. O esporte coletivo era diversão e não competição. Assistir na TV era um hobby delicioso, não mais um desespero. Discutir futebol? Pra quê? Só discuto com times que já possuem título mundial e nunca foram rebaixados ou seleções que sejam pentacampeãs... ou seja, praticamente ZERO de discussão. Portanto, levei mais de quinze anos pra amadurecer e realmente ser educado pelo próprio esporte.

Volto à Teresópolis pra começar a finalizar essa história. Na Páscoa de 2011, uma disputa de bola em uma peladinha tranquila arrebentou meu joelho esquerdo: fratura de menisco e esgarçamento do ligamento cruzado anterior. Mas nada de cirurgia pra mim. Já havia tratado e me recuperado milagrosamente com GDS, então, ia manter isso. Fiz também reforço muscular, mas a idade é implacável: antes uma torção num dia não me impedia de jogar no outro; dessa vez levei 7 meses pra conseguir voltar aos gramados. Voltei de leve, sem meu ímpeto todo, com medo de machucar novamente. Mas é só a gente se sentir bem que o gás vem de novo e, depois de 1 mês, a lesão piorou... o esgarçamento virou rompimento. Em abril de 2012, tomei uma das decisões mais difíceis de toda a minha vida: parar de jogar (minha analista teve trabalho na época).

Escrevo essa postagem desde às 5h30 da manhã porque acordei de um sonho com futebol. Eu era o lateral esquerdo da Seleção. Como sempre gostei de jogar avançado, percebi que a seleção adversária (alguma sulamericana) ia se aproveitar do espaço que deixei para contratacar (a tal Avenida Filipe Chagas). Corri muito! O atacante adversário deu um carrinho precipitado pra chegar na bola e eu dei outro, bem depois dele já estar no chão. Eu tirei a bola e nossos carrinhos se encontraram... o juiz deu pênalti e cartão amarelo pra mim. Duas frases-clichê do futebol vieram a seguir: "pênalti roubado não entra" e "quem não faz leva". O atacante bateu na mão do goleiro que – já ciente que eu era a via de escape do time – jogou na frente pra mim. Só na minha velocidade deixei meu marcador pra trás, fui na direção do zagueiro apontando para o meio da área, pedindo um atacante para passar a bola... mas era um truque. Eu precisava me vingar do juiz. Com um drible de corpo, tirei o zagueiro e chutei sem ângulo debaixo das pernas do goleiro.

Não consigo me lembrar direito da minha comemoração porque acordei num salto e não consegui mais dormir. Estou aqui registrando tudo porque meu corpo ainda esquenta quando me vejo nos gramados de sonho. O tempo passa mais rápido só de pensar... Futebol nunca foi uma simples paixão. Foi um daqueles amores inesquecíveis e insubstituíveis que mexem com a gente pra sempre.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Arte ao Lado: Jorge Lucio

A poesia foi utilizada na história (até mesmo em períodos pré-escrita) como forma de transmitir informação e garantir sua memorização. No entanto, ela é mais: é também considerada a arte do texto, aquela que utiliza a linguagem escrita para exprimir aquilo que está dentro de nós.

Ao entender que a tarefa crucial da arte é resistir e contrapor-se ao estabelecido pelas normas do poder, em nome da convivência, Jorge Lucio de Campos usa sua sensibilidade para escrever a partir das dicções de autores considerados renovadores da linguagem poética em relação ao que considera serem legítimas contribuições. Cria, então, ligações entre seus poemas e os de outros poetas em busca de uma poesia ao mesmo tempo contemporânea e extemporânea, a mais estranha ao gosto de sua época.
“Me esforço para criar ligações entre o que digo, ou melhor, o que dizem os meus poemas e o que é dito (ou penso que é dito) pelas imagens de variada natureza que são assinadas por outros autores (pintores, fotógrafos, cineastas, etc). [...] Gosto de reescrever, desconstruir, reinventar a escrita alheia, com o intuito de fazê-la acontecer de outra maneira.”
Em termos artísticos gerais, Jorge valoriza, sobretudo, a síntese formal, a riqueza expressiva e a amplitude semiótica e, assim, tenta fazer o máximo possível de sentido com o mínimo possível de palavras. Acredita que, se não se dispusesse a escrever poesia, ela própria o faria de uma maneira caótica e amorfa e, então, se perderia no vácuo da insignificância cotidiana: “sinto-a colocada dentro de mim, pulsante e mais forte do que a minha própria vontade.”

Filósofo de formação, Jorge se aproxima de Nietzsche quando diz que “faz poesia para não enlouquecer com a instrumentalidade racional e a boçalidade administrada que minam tenebrosamente os alicerces simbólicos da atualidade”. Crê na importância de registrar e preservar sua arte, independente de seu valor para a maioria das pessoas.

Jorge foi meu professor na graduação em design, na ESDI. Logo no primeiro ano ele veio ministrar a disciplina “Introdução à Análise da Informação” e ninguém tinha muita maturidade para entendê-lo (talvez por isso a turma adorava puxar temas como futebol e cinema trash para desvirtuar a aula). Mesmo assim, seu jeito paternal fazia com que a sala nunca estivesse vazia. Onze anos depois nos reencontramos quando fazia mestrado: eu ainda aluno e ele sempre professor. Num desespero acadêmico, precisei que ele se tornasse meu orientador, mesmo que isso significasse mudar totalmente a direção da minha dissertação (de economia para filosofia). Ele encarou o desafio comigo de uma maneira tão carinhosa e acolhedora que fui capaz de entrar no árido mundo da filosofia com a “calma dos ignorantes”, aquela que te torna humilde porém confiante. As consequências positivas são tantas que me faltam palavras para agradecer. E, mesmo que as tivesse, não seriam a poesia que só ele é capaz de fazer.

domingo, 26 de junho de 2016

Com ciência

Nos últimos meses, a exposição ComCiência do CCBB tem chamado muita atenção pela web com fotos das criaturas que Patricia Piccinini produziu com maestria. O resultado é incrível e o efeito visual é realmente impressionante. Suas estátuas parecem ter congelado um momento em um tempo mágico. Mas tem mais ali.

O tão esperado.

Enquanto os visitantes só se preocupam com selfies e fotos que já estão em toda internet, poucos lêem os textos que instigam a reflexão e - literalmente - fazem criar alguma consciência do que estamos vendo.

Esfinge
Instalação da Flor Bota.

Manipulação genética é a base da discussão, no entanto, Patricia também questiona a todos quando perdemos nossa capacidade de aceitar o diferente e o que é realmente belo através de obras que transitam do lúdico infantil ao erótico implícito. Quando crianças, somos mais aptos a gostar dos monstros, sejam eles imaginários ou não. Uma mãe aceita seu filho como ele é.

De bruços

A artista ainda avança essa discussão quando mescla a manipulação genética com tecnologia. Apesar de estarmos acostumados com ficção científica de robôs e inteligências artificiais, as criaturas e imagens tecnológicas acabam ganhando uma expressão biológica por estarem inseridos nessa exposição.

Os amantes.

Instigante, nojento, fofo, curioso... arte faz isso.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Arte ao Lado: Clementino Jr.

O Cinema é a Sétima Arte desde 1912, quando o teórico italiano Ricciotto Canudo escreveu o Manifesto das Sete Artes e estabeleceu uma lista de seis artes que estavam combinadas em qualquer produção cinematográfica. Mas, desde o fim do século XIX, o Cinema nos encanta. No caso de Clementino Jr., esse encantamento é de berço, uma vez que aprendeu a escrever e desenhar nas folhas de roteiros de novelas que seus pais trabalharam (ele é filho dos incríveis Clementino Kelé e Chica Xavier).

Sua primeira paixão foram os quadrinhos (a Nona Arte), já que sempre gostou de criar histórias, mas o Cinema e a TV rodeavam sua vida. Mesmo formado em Programação Visual na Escola de Belas Artes da UFRJ, não conseguiu se distanciar do audiovisual. Inspirado no “Cinema de Cavação”, começou a fazer seus filmes. Como ele mesmo diz:
“A realização do sonho de fazer o melhor filme a cada obra, o melhor filme possível dentro de cada tema, é o que me move”.

Clementino encontrou no universo educacional o espaço do ensino-aprendizagem que não só o leva a uma atualização constante como lhe oferece o retorno financeiro para se equipar. Com ajuda e permuta de grandes profissionais aos quais se aliou nos últimos anos dá vazão às suas ideias e histórias mais urgentes. Atualmente comanda o Cineclube Atlântico Negro, cujo programa foca o cinema da diáspora africana e foi presidente regional da Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas e vice-presidente da ABD Nacional.


Conheci Clementino no Instituto de Tecnologia ORT, ambos professores do Curso Técnico em Comunicação Social. Em sua resposta à pergunta “o que você faz”, ele escreveu que “faz E ajuda a fazer filmes”. É essa generosidade que se percebe em sua fala doce e no brilho dos olhos quando o cinema está em discussão.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Todos contra todos, sem vitoriosos (só nós!)

Não. Não é uma postagem sobre a situação caótica do país (se bem que o nome Guerra Civil está me parecendo mais próximo do que se imagina...). Essa postagem é para falar sobre o terceiro filme do Capitão América, Guerra Civil (Captain America: Civil War, 2016), que também abre a terceira fase do Universo Cinematográfico da Marvel.

Primeiro, é difícil um viciado em quadrinhos como eu não se empolgar com um filme que tem Capitão América, Homem de Ferro, Máquina de Combate, Viúva Negra, Gavião Arqueiro, Pantera Negra, Homem-Aranha, Homem-Formiga, Soldado InvernalFalcão, Visão e Feiticeira Escarlate! Cara... é de quase chorar!!! Por isso, precisei de um tempo para escrever. Queria um certo distanciamento. Fui até buscar o significado de "guerra civil", que – resumindo – é o conflito armado entre grupos organizados dentro de um mesmo Estado. Faz sentido se pensarmos que o filme coloca herois contra herois.

Agora... vamos entender uma coisa: esse deveria ser o terceiro filme do Capitão América, mas acabou se tornando praticamente o terceiro filme dos Vingadores... um filme de vingança! De perseguição e vingança. Dizem por aí que a culpa foi do HORROROSO Batman vs. Superman, que colocou um certo medo na Marvel de lançar um filme solo do Capitão América resgatando Bucky. Que pena... o segundo filme dele foi MUITO bom e não havia necessidade de temer as boçalidades que a Distinta Concorrência anda fazendo. Com isso, a primeira coisa que fizeram foi colocar o Homem de Ferro como co-protagonista, já que Robert Downey Jr. é o cara na Marvel. Como são muitas estrelas com vários contratos milionários, acabaram resolvendo trazer a Guerra Civil dos quadrinhos para a telona.

Nos quadrinhos, um vilão mata centenas de inocentes após uma ação equivocada de jovens herois e isso gera uma comoção nacional em busca de um registro de todos aqueles que se acham no direito de impor justiça. Isso divide a comunidade heroica com Capitão América e Homem de Ferro comandando lados opostos e o bandeiroso levando a pior: "morre" no final e altera toda a estrutura do Universo Marvel (que sorte hein, Chris Evans!).

Esse filme começa quase onde o segundo filme do Capitão acabou: continuam os mistérios em torno do Soldado Invernal e Ossos Cruzados é logo o primeiro vilão (sim, ele sobreviveu). No entanto, as ligações com o segundo filme dos Vingadores também estão lá: o treinamento dos Novos Vingadores coloca a Feiticeira Escarlate fazendo besteira e matando pessoas de Wakanda (!!!). Juntando isso a confusão anterior em Sokovia, forma-se um acordo de controle dos heróis pela ONU que divide o grupo.

Enquanto o Homem de Ferro defende o controle da equipe por um comitê da ONU, Capitão América acha que a parcialidade da ONU pode causar mais danos do que se imagina. Mescla-se ainda toda a história do Soldado Invernal que se liga ao passado do Homem de Ferro e dá mais peso emocional às disputas. No fim, quem se dá mal é (spoilers) o Máquina de Combate, mas também temos uma alteração no status quo do Universo Cinematográfico da Marvel, com o Capitão deixando de ser o Capitão e se escondendo em Wakanda.


Tony e Steve sempre pareceram irmãos que se amam e vivem às turras. Todos os filmes onde eles aparecem juntos é possível ver essa relação. Isso chega ao limite aqui. Percebemos a mudança individual de paradigma entre os dois: os arcos do Homem de Ferro mostram um Tony que faz o que quer e se coloca acima dos governos, mas aos poucos vai pensando no coletivo, no bem maior, e nesse filme ele se coloca a mercê da lei; enquanto os arcos de Steve o colocam como um soldado que sempre obedece ordens, mas vai se dando conta que os líderes estão sempre tomando decisões erradas, o que o estabelece em Guerra Civil como um fora-da-lei.

A loira ao lado do Capitão é a Agente 13, Sharon Carter, filha da Peggy. Ela
aparece aqui no lugar da Feiticeira Escarlate. Homem-Formiga e Homem-Aranha
não aparecem na imagem.

TIME CAPITÃO AMÉRICA
  1. Falcão
  2. Soldado Invernal
  3. Gavião Arqueiro
  4. Feiticeira Escarlate
  5. Homem-Formiga
TIME HOMEM DE FERRO
  1. Máquina de Combate
  2. Viúva Negra
  3. Visão
  4. Pantera Negra
  5. Homem-Aranha
Bom... nessa listagem aí em cima vocês perceberam que o time do Homem de Ferro trouxe novidades. Mas vamos por partes... A Marvel tem contratado roteiristas que conseguem amarrar muito bem as histórias e, no meio disso, ainda conseguem colocar a quantidade de ação e humor suficientes. Isso faz com que (praticamente) todo milésimo de segundo de filme seja importante e não se torne arrastado.

TIME CAPITÃO AMÉRICA
O filme era pra ser dele, mas não é. Ele passa o tempo inteiro tentando ser o "melhor amigo do Bucky" e acaba perdendo espaço para todo mundo. Ele perde espaço até para o Falcão! Assim como o Capitão ficou mais ágil ao longo dos filmes, o uso que o Falcão faz de suas asas como escudo e arma de ataque é incrível! Acrescentou muito ao personagem, mais até do que nos quadrinhos. E ele ainda tem tem um Asa Vermelha drone ao invés de um falcão de verdade (que sempre me pareceu inútil e sem propósito).

Já o Gavião Arqueiro é talvez o personagem que me parece mais perdido e alterado. Dão a ele uma família! Colocam ele de babá/tutor! Não sei... achei um grande erro o que fizeram com um personagem que já era questionado. No fim, me pareceu que queriam encerrar a participação efetiva dele.

A Feiticeira deveria ser um personagem principal. Afinal, ela perdeu o irmão e é responsável pela explosão em Wakanda que gerou o controle da ONU. Logo no início sabemos o quanto ela está ficando poderosa (nos quadrinhos ele chega a ser um grande temor para heróis e vilões), mas, de repente, ela cai num drama romântico com o Visão. Mas deve ter funcionado porque tem gente querendo realmente fazer uma comédia romântico com os dois...

Ao lado do Falcão, o Homem-Formiga é talvez a melhor adição ao time! Ele realmente deixou o quinto escalão do cinema para mostrar o que pode fazer... afinal... (spoiler) ele vira o Gigante!!! Ele voa na flecha do Gavião!!! Que venha seu segundo filme solo com a Vespa!

TIME HOMEM DE FERRO
Já disse que Robert Downey Jr. é o embaixador da Marvel. Então, tinha que ser ele a trazer as novidades da Fase 3: Visão, Pantera Negra e Homem-Aranha. Ok... o Pantera Negra não foi ele bem que trouxe, mas eu chego lá. O grande problema é que o Homem de Ferro escolhe seu lado de forma muito rasa. Tony Stark já havia se estabelecido em três filmes solos, dois dos Vingadores e várias cenas pós-créditos como o personagem mais importante e decidido da Marvel. Ele jamais falaria um sim tão rápido para a proposta da ONU (é isso mesmo: eu sou #TeamCap), mesmo com a morte de um garoto ou problemas conjugais com a Pepper.

A Viúva Negra é a grande amiga do Capitão, mas, desde o primeiro Vingadores, é possível enxergá-la como nós mesmos. É ela que tem as dúvidas e se coloca pequena diante das situações “cósmicas”. Ela também é talvez um dos maiores furos da Marvel no que diz respeito ao MCU. A espiã russa meio que se tornou uma fraca bússola moral e melhor amiga mulherzinha do Capitão. Deixou de ser a badass. Todos pediram um filme solo dela desde que apareceu em Homem de Ferro 2. Porém, a indústria de quadrinhos no cinema sempre teve medo de lançar um filme protagonizado por uma heroína porque os brinquedos e merchandisings com mulheres eram os menos vendidos. Digamos que a gente até entenda esse mundo machista que vivemos... mas aí veio a concorrente DC e resolveu que vai fazer a Mulher-Maravilha! E agora?

Visão é J.A.R.V.I.S. Visão carrega uma Joia do Infinito na testa. Visão se considera filho do Stark, depois da Era de Ultron. Ele parece responder à lógica e à lealdade, mas percebe que sentimentos e intuições podem ser bem mais importantes. É nesse paradoxo que também está sua relação com Wanda. Ela vai sendo construída aos poucos, com ambos tentando se adaptar a suas novas realidades, mesmo que em lados opostos. Afinal, são ciência e “magia”, um dos casais mais poderosos da Marvel.

Wakanda já havia aparecido em Era de Ultron com Ulisses Klaw e roubo de Vibranium. Nesse filme, ficamos conhecendo mais com a presença do Rei T'Chaka e seu filho T'Chala em uma reunião da ONU que acaba na morte do rei após os atos dos Novos Vingadores. O príncipe parte para a vingança como o Pantera Negra em cenas de ação de tirar o fôlego que fazem a gente querer mais e mais. Por considerar que o Soldado Invernal é o responsável pela explosão, T'Chala se "une" ao Homem de Ferro, mas, no fim, também utiliza de furtividade, espionagem e da sua realeza para identificar o responsável.

Esse heroi merece destaque não por sua rápida construção ou por ser simplesmente foda, mas pela sua representação como heroi negro. Mas aí você vai perguntar: "E o Falcão? E o Máquina de Combate?" Sim, ambos são negros e estão excelentes em seus papéis, porém, são personagens sempre secundários. O Pantera Negra é um coadjuvante nesse filme, porém é o rei de uma poderosíssima nação africana e terá um filme solo para contar sua história. Isso é inovador e significativo!

Agora chegamos ao Homem-Aranha... Trazer o teioso para esse filme foi outra "guerra civil". As negociações com a Sony (dono dos direitos cinematográficos do herói) foram beeeeeem complicadas e cada vez mais sabemos dos bastidores difíceis (nem tem peças promocionais!). E aí que foi o problema: a entrada do Homem-Aranha deveria ter sido pontual. (Spoilers) Era pra ele ter aparecido somente na grande batalha heroica, de repente, de surpresa, com suas piadinhas clássicas (o que aliás ficou ótimo! O uso da teia incrível!). Toda cena de recrutamento e conexão com Robert Down... oops... o Homem de Ferro pareceu fora do tom. Sim, é engraçadinha e tal, mas nunca... NUNCA! Peter Parker seria um baba-ovo que entra numa batalha sem pensar! Me lembrou um certo heroi que foi descaracterizado e acabou perdido... E o interessante que essa cena de recrutamento acabou fazendo o Robert Downey Jr. ser contratado para o novo filme do Aranha!!! Sério, Marvel? O Homem-Aranha não se sustenta sozinho? E a Tia May precisa ser uma Tonyzete? Sério, Marvel? O que importa é que ele chegou renovado. O humor de sempre veio com ele e mais uma vez temos um personagem que queremos ver mais porque agora ele voltou pra casa!

TEM VILÃO?
Já disse que os vilões da Marvel nunca foram bem trabalhados. Então, a Marvel preferiu colocar heróis contra heróis mesmo. Mas tem vilão sim: é o Barão Zemo! Um vilão clássico do Capitão América da Segunda Guerra nos quadrinhos que no filme é só um articulador para ativar Bucky (o Soldado Invernal), que está num vai-e-vem mental e se torna o "vilão" a ser salvo pelo Capitão. Apesar dessa redução de importância em relação aos quadrinhos, seu papel foi fundamental para a desestruturação da equipe. Isso mostra o quanto Loki ainda é o grande vilão da Marvel no Cinema (virou até heroi nos quadrinhos!).


CONCLUSÃO
O filme é MUITO BOM, um filme de ação muito bom com a luta do aeroporto entrando para a história do cinema dos super-heróis. Não há o desejo de profundidade ou evolução de personagens. O objetivo é entreter mostrando os personagens já queridos caindo na porrada, enquanto novas maravilhas são introduzidas. E é melhor do que Era de Ultron e – definitivamente – Homem de Ferro 3. Aliás... esse filme também poderia ter sido o terceiro filme do ferroso já que ele é bem dividido com o bandeiroso.