Não lembro desse Carnaval em 1980, mas já vestia o manto do Flamengo. |
O grupo era divertido (eu estou colocando chifrinho no colega). |
Era campeonato do fim de ano de 1986 e meu time chegara na final. Nós havíamos batido o time mais assustador e a confiança era enorme para a final. Mas... nosso goleiro faltou! O desespero começou a bater quando só tinha o pior goleiro do clube pra substituí-lo e não podíamos recusar. O jogo seria duro. Talvez fosse até pra pênaltis ou alguém ganharia por 1 a 0 na dificuldade... mas nós perdemos por 2 frangos a zero.
O safado fazendo graça antes já devia ser um indício da cagada que faria durante... |
Minha raiva era enorme. Me lembro até de reclamar com o goleiro no meio do jogo. Não sabia lidar ainda com aquelas sensações e na hora de receber a medalha de prata estava de cara feia. Saí zangado em todas as fotos e não queria falar com ninguém. Chegou o tal momento-chave...
Não achei a foto da medalha... então, vai essa de perdedores embaixo com caras desapontadas. |
Naquele mesmo dia em casa, numa tentativa de educar, meus pais disseram, em resumo: "ou você aprende a competir ou você sai do futebol" (rolou também alguma negociação com ver televisão, mas minha memória também já não é tão boa). Veja bem: eu fazia judô e pedi pra sair porque não gosto de brigar e ter que disputar na briga; eu era federado na natação e pedi pra sair porque não gostava de competir; ou seja, eu não queria competir! O que eu não gostava (e ainda não gosto) era de ter dado o melhor de mim e perder por causa de outros. Claro que, na raiva e na teimosia (que me é característica), eu disse: "então, eu paro de jogar futebol".
Eu chamo de momento-chave porque não sei onde estaria hoje se tivesse continuado (penso nisso direto!). Ainda fiquei no clube mais um ano sem vontade até parar. Levei seis anos pra voltar a jogar. SEIS ANOS! Só me permitia jogar no recreio na escola com bola feita de copo plástico e guardanapo. Passei a jogar handebol (que ainda acho muito maneiro). Nem futebol na TV eu assistia. Porém, em 1993, um reinício diferente...
Mesmo sabendo que o Flamengo tinha sido o campeão brasileiro de 1992, eu tinha perdido aquele ímpeto. Vi os gols, me lembro da comoção familiar... mas nada em mim. No ano seguinte, minha turma da escola resolveu fazer um "Bolão do Campeonato Brasileiro". Detesto jogos de azar, mas eu queria participar de algum jeito. Como sempre fui muito inteligente e organizado, resolvi ser o responsável por colher as apostas e redistribuir a grana. Com isso, todo domingo eu esperava o Fantástico pra ver os gols da rodada. Por incrível que pareça, isso reativou a velha chama. Em 1995, fui pela primeira vez ao Maracanã (estreia do Romário no Flamengo em um empate sem gols contra o Fluminense).
Foi meu saudoso amigo Leandro quem me levou de volta às quadras. Jogávamos à noite em inúmeras quadras dos clubes portugueses tijucanos (Vila da Feira, Trás os Montes...). Meu futebol estava enferrujado... mas isso não me impediu de jogar toda terça de 22h à meia-noite no Clube dos Fumageiros. E foi lá, entre amigos, que me redescobri no futebol.
Vencer, empatar, perder. Não importava. Até porque... faça as contas: partidas de 10 minutos num período de duas horas, contando intervalos dá uma média de 8 partidas por dia! Ganhar três era incrível, quatro era campeão mundial! Imagina quando era partida de 2 gols com "rei da mesa" e a partida durava 2 minutos? Então, em uma simples noite, o que importava era a diversão com os amigos, as zoeiras, o papo pós-pelada que enaltecia os erros e não as vitórias. Assistir futebol fosse na TV ou no estádio virou vício. Gritava na janela, discutia futebol e tudo.
Pouco tempo depois, nosso grupo passou das quadras do futebol de salão para o futebol society de grama sintética. Todo domingo, de meio-dia às 13h, num sol escaldante de Vila Isabel, o grupo estava lá. Com embates históricos entre os goleiros Thiago e Percê, a dupla de zaga Claudio e Jorge, a histeria divertida do Afonso e as habilidades de Davi e Neneco. Podia ser Dia das Mães... dos Pais... dos Namorados... até aniversário de filho tinha gente lá pra jogar. Mais um monte de memória, um monte de laços.
O aniversário dos amigos também era comemorado na churrasqueira da pelada. |
E foi nesse ponto que comecei a despontar mais na velocidade do que na habilidade. Acredito que foi a forma que meu corpo/cérebro encontrou para suprir os anos parados. Leandro dizia que gostava de jogar comigo por causa disso: ele, zagueiro, jogava no "ponto-futuro" e gritava "corre que dá". E dava. Eu acreditava nele. Ele me levou pra vários outros lugares pra jogar. Em um campo no Jacarezinho (segunda de 22h a meia-noite), eu fiquei conhecido como "velocista" já no primeiro dia.
Só que aos 18 anos, outro momento-chave. Em Teresópolis (que também guarda inúmeras histórias futebolísticas como, por exemplo, eu enfrentando o gigante Bernardo), o campo de grama natural era (e ainda é) de um lado parede e do outro cerca de arame. Num dos meus momentos de velocidade, vi que a bola estava quase saindo na lateral gradeada, mas eu tinha certeza que conseguiria impedir. Pra isso, eu precisaria usar a grade como freio... e foi o que fiz: consegui tirar a bola da lateral me jogando na grade ("como uma lagartixa", diz meu tio). Só que tinha um arame solto na altura do meu joelho... que ficou enganchado e abriu um buraco nele que saía até a gordura!
Toda essa história virou um clássico na minha família, com minha tia tentando "colar" o ferimento com esparadrapo, eu apavorado de medo, a anestesia local e meu pai se jogando em cima de mim no hospital... Esse é outro momento-chave porque passei a rever minha velocidade no futebol. Eu precisava voltar àquele velho futebol de salão. Então, pra recuperar o tempo perdido passei a jogar todo o futebol que via pela frente. Batista, Clube da Light, Asbac, Alto da Boa Vista... Não importava onde ou o horário. Cheguei a jogar futebol 4 vezes na semana! Ainda me destacava pela velocidade, mas, aos poucos, as habilidades foram reaparecendo.
Até aqui, na maioria das vezes jogava ou com o mesmo grupo ou com alguém do grupo que me chamava. Em 2000, o namorado de uma prima me chamou pra fazer parte de um novo grupo em um galpão de São Cristóvão aos sábados. Eu adorei a galera, mas era tanta regra pra poder jogar e fazer parte do grupo que não vingou. Só que em 2001, esse mesmo namorado da prima resolveu dar um tempo da pelada (que saíra de São Cristóvão para o Horto) e abriu a vaga pra mim. Foram ONZE ANOS de pelada.
Saudosos meiões laranjas com chuteiras douradas que se tornavam um borrão veloz! |
Eu nem sei como começar a escrever desse período, mas posso te garantir que foram onze anos absolutamente maravilhosos. Não só de futebol (onde atingi meu auge e cheguei a fazer um teste para virar profissional), mas de pessoas, de alegrias, de amizades, de aprendizado, de vida. Não havia o que me tirasse de lá num sábado de 16h às 18h (que na maioria das vezes se estendia até às 20h só no papo). Chuva? Pelada aquática. Carnaval? Pelada fantasiado. Páscoa? Só no chocolate. Casamento? Levava a roupa e ia de lá direto. Teve até pelada contra mulheres (com alguns lances desconcertantes)! Virei tesoureiro da pelada (tem gente que me chamava de presidente), botava dinheiro pra gente jogar, as bolas ficavam no meu porta-malas e sempre fazia churrascos de confraternização e campeonatos. Tinha até blog de zoeira! Ninguém entendia minha fissura e eu mesmo só fui entender na análise. São tantas memórias que a Pelada dos Macacos está pra sempre marcada na minha história.
Um dos campeonatos, onde fiquei novamente em segundo lugar e ainda fiquei conhecido como Avenida Filipe Chagas! Tudo por causa de uma falta absurda que não vem ao caso... |
Um dos grupos que passaram nesses onze anos. Só alto nível... de pessoa, porque o nível técnico era questionável! |
O pós-pelada e os churrascos eram melhores do que a pelada em si! |
Despedida do Chicão, 67 anos dedicados ao esporte bretão de várzea! E jogando descalço! Nada mais que um mito! Inspiração para todos! |
O futebol mudou pra mim. O esporte coletivo era diversão e não competição. Assistir na TV era um hobby delicioso, não mais um desespero. Discutir futebol? Pra quê? Só discuto com times que já possuem título mundial e nunca foram rebaixados ou seleções que sejam pentacampeãs... ou seja, praticamente ZERO de discussão. Portanto, levei mais de quinze anos pra amadurecer e realmente ser educado pelo próprio esporte.
Volto à Teresópolis pra começar a finalizar essa história. Na Páscoa de 2011, uma disputa de bola em uma peladinha tranquila arrebentou meu joelho esquerdo: fratura de menisco e esgarçamento do ligamento cruzado anterior. Mas nada de cirurgia pra mim. Já havia tratado e me recuperado milagrosamente com GDS, então, ia manter isso. Fiz também reforço muscular, mas a idade é implacável: antes uma torção num dia não me impedia de jogar no outro; dessa vez levei 7 meses pra conseguir voltar aos gramados. Voltei de leve, sem meu ímpeto todo, com medo de machucar novamente. Mas é só a gente se sentir bem que o gás vem de novo e, depois de 1 mês, a lesão piorou... o esgarçamento virou rompimento. Em abril de 2012, tomei uma das decisões mais difíceis de toda a minha vida: parar de jogar (minha analista teve trabalho na época).
Escrevo essa postagem desde às 5h30 da manhã porque acordei de um sonho com futebol. Eu era o lateral esquerdo da Seleção. Como sempre gostei de jogar avançado, percebi que a seleção adversária (alguma sulamericana) ia se aproveitar do espaço que deixei para contratacar (a tal Avenida Filipe Chagas). Corri muito! O atacante adversário deu um carrinho precipitado pra chegar na bola e eu dei outro, bem depois dele já estar no chão. Eu tirei a bola e nossos carrinhos se encontraram... o juiz deu pênalti e cartão amarelo pra mim. Duas frases-clichê do futebol vieram a seguir: "pênalti roubado não entra" e "quem não faz leva". O atacante bateu na mão do goleiro que – já ciente que eu era a via de escape do time – jogou na frente pra mim. Só na minha velocidade deixei meu marcador pra trás, fui na direção do zagueiro apontando para o meio da área, pedindo um atacante para passar a bola... mas era um truque. Eu precisava me vingar do juiz. Com um drible de corpo, tirei o zagueiro e chutei sem ângulo debaixo das pernas do goleiro.
Não consigo me lembrar direito da minha comemoração porque acordei num salto e não consegui mais dormir. Estou aqui registrando tudo porque meu corpo ainda esquenta quando me vejo nos gramados de sonho. O tempo passa mais rápido só de pensar... Futebol nunca foi uma simples paixão. Foi um daqueles amores inesquecíveis e insubstituíveis que mexem com a gente pra sempre.