sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cores rotuladas

Toda cor tem um significado: vermelho é fogo; verde é natureza; o céu é azul; e assim vai. Enquanto algumas das associações são feitas diretamente pela visualização de objetos e fenômenos naturais, outras são criadas pela sociedade, como a psicologia das cores que nos diz que vermelho é paixão, branco é paz e laranja abre o apetite. É claro que isso vai gerando padrões visuais tão enraizados na cultura que fica até difícil de se perguntar porque essa cor representa isso e não aquilo? Por exemplo, se o planeta é 2/3 de água e ainda temos tudo envolto por céu azul, por que pensamos no verde para ecologia?

Como designer, as características das cores são de suma importância, pois alteram a percepção do que se cria. Veja um caso: conheço um profissional que fez uma embalagem de filme para microondas com as cores vermelha e amarela porque são cores quentes (esquentar comida) e juntas formam laranja (que abre o apetite). No entanto, o cliente queria usar o verde porque a embalagem era de papel reciclado. O profissional lutou contra isso porque não há nada ecológico em plástico de microondas e muito menos em papel reciclado*. Esse é apenas um caso entre vários que poderiam ser contados.

E uma coisa que sempre me intrigou são as cores formadores de gênero, ou seja, as masculinas e femininas. Por que meninos tem que usar azul e meninas tem que usar rosa - principalmente quando bebês? Pra mim isso sempre foi uma orientação (determinação) sexual velada da sociedade, mas nunca soube da origem disso, mesmo que tivesse alguns palpites. Agora finalmente consegui algum embasamento teórico! E antes de entrar nisso, vejam esse vídeo POR FAVOR! É rapidinho e dá pra ativar legendas em português.



É ou não é orientação velada?

Encarte de moda de 1928
Bom... a colunista Laila Razzo do Jornal Pequeno de São Luís parece ter feito uma extensa pesquisa sobre o assunto, inclusive descobrindo que antes era o contrário! Isso mesmo... meninos tinham que usar rosa e mulheres azul! Ela traz informações que eu não sabia, como a influência do Cristianismo na mudança das cores de gênero, tanto de antes (quando vermelho era uma cor masculina denominada aos cardeais e o azul destacava a pureza da Virgem Maria) quanto no atual (azul é a cor do céu que protegia os meninos por causa da sucessão familiar, enquanto o vermelho era a cor dos demônios e das mulheres tentadoras).

Laila também aborda o já conhecido papel do marketing (É recorrente a utilização de símbolos específicos pela mídia a fim de valorizar minorias, mesmo que em campo abstrato de ideias, dando-lhes identidade em força consumidora.) e das guerras mundiais (Nos primeiros estágios após a II Guerra Mundial, a população passou a ser bombardeada pela publicidade de um mercado que enxergou o potencial de direcionamento de seus anúncios por cores representativas de gênero).


Infelizmente o texto dela saiu do ar depois da reformulação do jornal, mas destaco aqui partes interessantes:
"(...) Revestido de um interesse único pela diferenciação dos nenéns e guris fêmea e macho, já que não dá pra dizer quem é o quê nessa época da vida (e como se importasse tanto), pintaram elas de rosa e eles de azul. O costume causa um desconforto danado quando se vê um bebê de macacãozinho amarelo, que gafe horrorosa chamar ele de ela ou ela de ele, tirando que a mãe ou o pai vão se sentir mortalmente ofendidos. Pior que nem dá pra disfarçar com um 'Qual é o nome?', porque ficar sem falar 'dele' ou 'dela' já aparenta uma coisificação do serzinho. Piora quando respondem um nome unissex. Quanto desconforto por um costumezinho 'inofensivo'!"

"O problema não é a cor, e sim os valores sociais que as embalagens, bonecas, panelinhas e pôneis transmitem nessa roupagem. O conceito vendido do que é ser mulher e também do que é ser homem, enraizados desde muito cedo no inconsciente."

"É certo que o ser humano desde muito jovem já procura se encaixar como parte de grupos, um dos primeiros é a orientação e divisão de gênero, principalmente por haver uma diferença explícita no que meninos e meninas são levados a entrar em contato. Com uma sociedade pautada na identidade pelo que se consome e a necessidade de pertencer e se conectar, pouquíssimos meninos e meninas passarão impunes de olhares reprovativos e provocação de seus iguais (após terem a noção dessa divisa de gêneros em objetos e brincadeiras – já foi observado que crianças são livres de pré-conceitos de gênero no início da infância), educadores e outros adultos por terem preferências de vestuário, brinquedos e cores não tradicionais e incomuns ao seu sexo, ou por seus pais assim escolherem educá-los."
O texto era muito bom. Pena que saiu do ar. Tem um outro no Portal da Família, que também oferece informações contextualizadoras interessantes.

Precisamos nos lembrar que um arco-íris é um belíssimo fenômeno ótico antes de nos preocuparmos com qualquer simbologia de gênero. Precisamos nos lembrar que é a sociedade que dá rótulos e não as cores.

* Papel reciclado simplesmente é mais danoso ao ambiente do que o papel comum porque precisa de um número enorme de produtos químicos para retirar as impurezas antes de virar um papel utilizável. O correto seria utilizar papel de madeira de reflorestamento.

2 comentários:

Graça disse...

Postagem interessante porque, vamos combinar, essa coisa de rosinha para menina e azulzinho para menino já deu o que tinha que dar. Êta rótulo chato e de uma tremenda falta de imaginação (já não quero nem falar em questões de gênero)! E olhe que até melhorou pois as mães estão comprando roupa vermelha e laranja para seus meninos.
Agora, pior são aquelas vitrines cheias das mais diferentes princesas todas rosas. Os jovens estão reagindo dando o maior ibope para seriados como Once upon a time, que veio quebrar com o padrão Disney.
Ah se as pessoas soubessem a origem medieval dos contos de fada...! São de arrepiar e não têm glamour algum.

Déa Azpi disse...

Quantos enraizamentos cada um de nós carrega! E tenho a certeza de que, muitas vezes, não nos damos conta disso. E o melhor e o pior: da importância disso em nossa vida cotidiana! Opiniões, conceitos e crenças está diretamente ligados a isso.

Mudanças não ocorrem da noite para o dia. São processos, levam tempo. Logo, ainda bem que há a possibilidade de revermos essas opiniões, crenças e conceitos! E, consequentemente, criar filhos com uma outra mentalidade porque apesar de estarmos em pleno século XXI, como somos tacanhos em relação a uma série de questões!