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sábado, 30 de setembro de 2017

Os olímpios

Segunda metade do século 19.

Alguns pintores resolveram parar de idealizar o cotidiano com alegorias e metáforas para fazer obras que mostrassem a realidade e representassem a vida como ela é (que deu no movimento artístico denominado Realismo). Em 1863, Édouard Manet pintou Olímpia (óleo sobre tela, 1,3 x 1,9 m, Museu d'Orsay), inspirado pela Vênus de Urbino de Ticiano e pel'A maja desnuda de Goya. Dois anos depois, Olímpia foi selecionada para ser exibida no Salão de Artes de Paris.


IMORAL! VULGAR!

Esses foram os xingamentos mais leves que o precursor do Impressionismo recebeu dos críticos conservadores da época.

O nu artístico sempre existiu, porém, de forma acadêmica (como estudos do corpo humano com modelos vivos), alegórica (em cenas mitológicas) ou exótica (mostrando povos distantes e considerados primitivos). Quando Manet representou uma prostituta de luxo fora desses três contextos, ele deslocou o nu do imaginário profano para a realidade pudica (e hipócrita). BLASFÊMIA!

E ele fez mais: ao colocar a mulher olhando diretamente o espectador com a mão tampando seu sexo, ele deu poder à ela. É ela quem manda no sexo, é ela que dá acesso e controla sua própria sexualidade. QUE ABSURDO (para uma sociedade machista e patriarcal)! UM ESCÂNDALO!

O escritor francês Émile Zola saiu em defesa do pintor:
Quando outros artistas corrigem a natureza pintando Vênus, eles mentem. Manet perguntou a si mesmo porque deveria mentir. Por que não dizer a verdade?
Manet ficou arrasado com as reações do público. Seu amigo, o poeta francês Charles Baudelaire, ficou preocupado:
Manet tem um grande talento, um talento que resistirá. Mas ele é frágil. Pareceu desolado e atordoado pelo choque. O que me impressiona é a alegria de todos os idiotas que acreditam que ele foi vencido.
O pintor chegou a se isolar, mas (ainda bem) foi tirado do ostracismo pelos impressionistas capitaneados por Bethe Morisot, Camille Pissarro e Claude Monet (que foi responsável por comandar uma campanha em 1890 para que a tela fosse comprada e doada para coleções públicas). Ele deveria ter conversado mais com Gustave Courbet, pintor da obra A origem do mundo, censurada pelo Google e pelo Facebook...

Corta, então, para o início do século 21.

Em julho de 2017, o artista Maikon K (um dos nomes mais respeitados e consagrados da performance no Brasil contemporâneo), realizou em um projeto privado a apresentação da DNA de DAN, na qual fica nu com o corpo coberto de um líquido que se resseca aos poucos, até, ao fim, se quebrar, revelando a pele do artista. Foi preso de forma truculenta por ATENTADO AO PUDOR e OBSCENIDADE, mas fez questão de declarar:
Podem me colocar diante de um juiz. Eu sei que eu não fiz nada de errado nem nada pelo qual eu deva me envergonhar. Eu estava trabalhando, e minha função é essa: perturbar a paisagem controlada dos sentidos. O meu corpo afronta os seus canais entupidos, o seu ódio contido, mesmo estando parado. Porque vocês nunca vão me controlar e eu pagarei o preço, eu sei, eu sempre paguei. Porque parado ali, nu, imóvel no meio da praça, suas vozes me atravessam, suas piadas estúpidas tentam me derrubar, sua indiferença me faz rir, seu embaraço me dá dó, mas eu continuo em pé.
Em setembro de 2017, o artista Wagner Schwartz realizou em um museu de arte a apresentação Le Bête, na qual manipula uma réplica de plástico de uma das esculturas da série "O Bicho", de Lygia Clark, e se coloca nu, vulnerável e entregue à performance artística, convidando o público a fazer o mesmo com ele. O evento tinha avisos de classificação etária. Uma mãe (coreógrafa e também artista performática) levou a filha para interagir com o artista. Foi filmada e... PEDÓFILO! CRIMINOSO! DESTRUIDOR DA FAMÍLIA TRADICIONAL BRASILEIRA!

Esses são apenas dois acontecimentos entre a dezena de censuras que a Arte vem sofrendo no atual momento. Vivemos um período de transição e polarização que a Arte insiste em escancarar. Disse Zola:
Basta ser diferente dos outros, pensar com a própria cabeça, para se tornar um monstro. Você é acusado de ignorar a sua arte, fugir do senso comum, precisamente porque a ciência de seus olhos, o impulso de seu temperamento, levam-no a efeitos especiais. É só não seguir o córrego largo da mediocridade que os tolos apedrejam-no, tratando-o como um louco.
A nudez é um dos tabus mais hipócritas que temos hoje em dia. Em nossa sociedade, pode-se usar roupa íntima na praia, mas não se pode amamentar em público. Pode-se colocar crianças maquiadas dançando eroticamente um funk, mas não se pode expor a criança à manifestações artísticas mais contundentes. Pode-se dar uma arma de brinquedo, mas jamais ir a uma praia de nudismo. Mande nudes, mas não tome banho com seu filho.

A nudez feminina vem sendo "trabalhada" há séculos, enquanto a nudez masculina se resume à estátuas gregas com folhas de parreira (castração religiosa) ou membros pequenos que não chamam atenção. Maikon K e Walter Schwartz se colocam no lugar da Olímpia e confrontam os padrões tanto da representação masculina quanto da Arte em si.

Esse é o papel da Arte (dita contemporânea) desde que as vanguardas do século 20 começaram a questionar o que vinham sendo feito em busca de maior expressividade ao invés de restrições estéticas. Técnicas e suportes foram sendo experimentados e substituídos. O corpo se tornou ferramenta e meio. Gostar ou não gostar não é mérito da Arte: isso é um problema do espectador.

Toda essa discussão só incentiva ainda mais a produção artística. Eu espero muita gente pelada por aí.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cores rotuladas

Toda cor tem um significado: vermelho é fogo; verde é natureza; o céu é azul; e assim vai. Enquanto algumas das associações são feitas diretamente pela visualização de objetos e fenômenos naturais, outras são criadas pela sociedade, como a psicologia das cores que nos diz que vermelho é paixão, branco é paz e laranja abre o apetite. É claro que isso vai gerando padrões visuais tão enraizados na cultura que fica até difícil de se perguntar porque essa cor representa isso e não aquilo? Por exemplo, se o planeta é 2/3 de água e ainda temos tudo envolto por céu azul, por que pensamos no verde para ecologia?

Como designer, as características das cores são de suma importância, pois alteram a percepção do que se cria. Veja um caso: conheço um profissional que fez uma embalagem de filme para microondas com as cores vermelha e amarela porque são cores quentes (esquentar comida) e juntas formam laranja (que abre o apetite). No entanto, o cliente queria usar o verde porque a embalagem era de papel reciclado. O profissional lutou contra isso porque não há nada ecológico em plástico de microondas e muito menos em papel reciclado*. Esse é apenas um caso entre vários que poderiam ser contados.

E uma coisa que sempre me intrigou são as cores formadores de gênero, ou seja, as masculinas e femininas. Por que meninos tem que usar azul e meninas tem que usar rosa - principalmente quando bebês? Pra mim isso sempre foi uma orientação (determinação) sexual velada da sociedade, mas nunca soube da origem disso, mesmo que tivesse alguns palpites. Agora finalmente consegui algum embasamento teórico! E antes de entrar nisso, vejam esse vídeo POR FAVOR! É rapidinho e dá pra ativar legendas em português.



É ou não é orientação velada?

Encarte de moda de 1928
Bom... a colunista Laila Razzo do Jornal Pequeno de São Luís parece ter feito uma extensa pesquisa sobre o assunto, inclusive descobrindo que antes era o contrário! Isso mesmo... meninos tinham que usar rosa e mulheres azul! Ela traz informações que eu não sabia, como a influência do Cristianismo na mudança das cores de gênero, tanto de antes (quando vermelho era uma cor masculina denominada aos cardeais e o azul destacava a pureza da Virgem Maria) quanto no atual (azul é a cor do céu que protegia os meninos por causa da sucessão familiar, enquanto o vermelho era a cor dos demônios e das mulheres tentadoras).

Laila também aborda o já conhecido papel do marketing (É recorrente a utilização de símbolos específicos pela mídia a fim de valorizar minorias, mesmo que em campo abstrato de ideias, dando-lhes identidade em força consumidora.) e das guerras mundiais (Nos primeiros estágios após a II Guerra Mundial, a população passou a ser bombardeada pela publicidade de um mercado que enxergou o potencial de direcionamento de seus anúncios por cores representativas de gênero).


Infelizmente o texto dela saiu do ar depois da reformulação do jornal, mas destaco aqui partes interessantes:
"(...) Revestido de um interesse único pela diferenciação dos nenéns e guris fêmea e macho, já que não dá pra dizer quem é o quê nessa época da vida (e como se importasse tanto), pintaram elas de rosa e eles de azul. O costume causa um desconforto danado quando se vê um bebê de macacãozinho amarelo, que gafe horrorosa chamar ele de ela ou ela de ele, tirando que a mãe ou o pai vão se sentir mortalmente ofendidos. Pior que nem dá pra disfarçar com um 'Qual é o nome?', porque ficar sem falar 'dele' ou 'dela' já aparenta uma coisificação do serzinho. Piora quando respondem um nome unissex. Quanto desconforto por um costumezinho 'inofensivo'!"

"O problema não é a cor, e sim os valores sociais que as embalagens, bonecas, panelinhas e pôneis transmitem nessa roupagem. O conceito vendido do que é ser mulher e também do que é ser homem, enraizados desde muito cedo no inconsciente."

"É certo que o ser humano desde muito jovem já procura se encaixar como parte de grupos, um dos primeiros é a orientação e divisão de gênero, principalmente por haver uma diferença explícita no que meninos e meninas são levados a entrar em contato. Com uma sociedade pautada na identidade pelo que se consome e a necessidade de pertencer e se conectar, pouquíssimos meninos e meninas passarão impunes de olhares reprovativos e provocação de seus iguais (após terem a noção dessa divisa de gêneros em objetos e brincadeiras – já foi observado que crianças são livres de pré-conceitos de gênero no início da infância), educadores e outros adultos por terem preferências de vestuário, brinquedos e cores não tradicionais e incomuns ao seu sexo, ou por seus pais assim escolherem educá-los."
O texto era muito bom. Pena que saiu do ar. Tem um outro no Portal da Família, que também oferece informações contextualizadoras interessantes.

Precisamos nos lembrar que um arco-íris é um belíssimo fenômeno ótico antes de nos preocuparmos com qualquer simbologia de gênero. Precisamos nos lembrar que é a sociedade que dá rótulos e não as cores.

* Papel reciclado simplesmente é mais danoso ao ambiente do que o papel comum porque precisa de um número enorme de produtos químicos para retirar as impurezas antes de virar um papel utilizável. O correto seria utilizar papel de madeira de reflorestamento.