quinta-feira, 1 de maio de 2014

Centro Cultural São Paulo


Conheci o Centro Cultural São Paulo e fiquei impressionado. Inaugurado em 1982, a partir da necessidade de uma extensão da Biblioteca Mário de Andrade, transformou-se em um dos primeiros espaços públicos culturais multidisciplinares do país. Além dos inúmeros espaços de convívio - onde encontramos jogos de xadrez, ensaios de peças de teatro e de dança, grupos musicais e muita gente estudando ou relaxando -, o espaço oferece uma biblioteca, uma gibiteca (!!!), uma discoteca (!!!) e uma hemeroteca (coleção de jornais e revistas periódicas!!!), um teatro de arena, cinema, diversas áreas expositivas e jardins!

Não tem nada parecido no Rio de Janeiro. Nem mesmo o clima artístico que o lugar exala. Começo a entender porque sempre ouço que as opções culturais de São Paulo estão muito acima das do Rio. Culpa da praia? Ou do carioca?

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Cartazes do cinema nacional

Ziraldo
Também no MAM, estava a exposição 4x3: A arte do cartaz de cinema, com alguns exemplares de cartazes do cinema nacional realizados pelos incríveis Ziraldo e Benício. O texto da exposição de Hernani Heffner, conservador da Cinemateca, é tão didático e importante que vou reproduzir aqui:
O cartaz cinematográfico é uma peça publicitária prosaica e efêmera. Tem por função divulgar o filme e atrair o espectador para a bilheteria e para a sala de exibição. Em sua linguagem particular, constituída nas primeiras décadas do século XX em meio à formação da indústria cinematográfica, antecipa o gênero e por vezes o tom da narrativa, associando-os quase sempre à imagem dos protagonistas. O cartaz cinematográfico se insere também no chamado star system, a política de estrelismo que em geral conduz a relação da produção com o público, mas de forma menos direta do que se pensa. Como elemento de apelo volta-se prioritariamente para a indicação do que será oferecido como emoção pelo produto fílmico.

A liberdade formal alcançada pelo cartaz cinematográfico em seus primeiros tempos deriva de um conjunto de restrições. Papel barato, impressão em escala e baixa definição impediam o uso da fotografia como ícone do filme, permitindo o desenho e a rotogravura como técnicas mais adequadas. Somente após a Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento das tecnologias gráficas e a supremacia consolidada do filme hollywoodiano no mercado mundial, o cartaz assumiu progressivamente a foto de uma cena ou personagem como elemento visual central.

A imposição de um padrão de produção envolvendo todo o processo de realização e comercialização dos filmes encontrou resistências pela afirmação dos cinemas nacionais, entre os quais o brasileiro. Nesse sentido, o cartaz revestiu-se também de valores particulares. Ao mesmo tempo em que ressaltava a promessa de divertimento/reflexão, reenviava para determinadas tradições locais, quer fosse a da ilustração gráfica, a do modernismo pictórico ou a da iconografia pop. Contra a mesmice publicitária do império, desenvolvia o refinamento contido na cultura visual local, transformando-se em peça artística maior. Em resumo, quanto mais criativo ou “experimental” o cartaz, maior a afirmação política de uma cinematografia frente ao ocupante de seu próprio mercado.

O singular na experiência brasileira é sua extensão mesmo à produção eminentemente comercial, caso dos filmes e cartazes escolhidos para esta exposição. Produzidos entre as décadas de 1950 e 1970, os exemplares se destacam por sua consciência de traço, estilo, síntese temática e sobretudo investigação poética dos tipos humanos e seu contexto sócio-cultural. Jayme Cortez, cartazista preferido do ator-produtor–diretor Amácio Mazzaropi, põe em relevo a figura esquecida da era juscelinista. A riqueza de detalhes na composição dos diferentes trabalhadores proletários ou suburbanos, indica a tentativa de sincronia com a nova era urbano-industrial paulistana e com o público presente nas salas, antes da virada crítica proporcionada pela adesão definitiva ao caipira, consagrada na personagem Jeca Tatu. Tensão e movimento permeiam essas imagens, explorando algumas das virtudes dos quadrinhos admirados e praticados por Cortez.

A passagem aos cartazes de Ziraldo e de Benício evidencia algumas rupturas. Em sintonia com sua geração, o primeiro, ao mesmo tempo em que homenageia a tradição de ilustração e de humor que vai de Angelo Agostini a Chico Caruso, vai buscar no modernismo paulistano o traço redefinidor do ingresso em uma nova etapa histórica. O advento de uma classe média brasileira e do hedonismo utópico dos anos 1960 lhe proporcionam o material para investigar sobretudo esse novo homem citadino, que se quer boêmio e mulherengo, mesmo em tempos de ditadura militar. Rebeldes e anárquicos são moldados à imagem e semelhança de uma cultura solar, alegre e libidinosa que emerge na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

Benício
Benício continua e aprofunda essas referências, chegando por seu lado a um modernismo carioca, evidenciado na obra de um J. Carlos, e por outro à atualidade de uma sociedade de consumo em formação. Seus cartazes também exibem a consciência do crescente protagonismo feminino em meio a esse país que se quer fazer grande, moderno e rico. A pornochanchada lhe proporciona a moldura perfeita para o jogo de espelhos com os passantes eventuais e os voyeurs da sala escura. Suas mulheres olham diretamente, encaram, interrogam, sem deixarem a sensualidade acabada de fora, muito pelo contrário. A imagem, a sedução e a cupidez quase sempre andam juntas.

A arte dos 3 cartazistas põe em relevo um momento de transição histórica da sociedade brasileira, deslocando a figura central da era industrial, que a rigor ainda nem se instalara de fato, e fazendo emergir novas personagens, mais características de uma etapa pós-industrial, que se constituiu par e passo ao desenvolvimento econômico emanado do ABC paulista. A seleção das 4 personagens matiza as possibilidades artísticas e culturais em torno do padrão típico de composição da peça. Trabalhadores, boêmios, “gostosas” e imagens auto-referentes (do tipo, do ator/atriz, do ícone cultural), este último em salto metalingüístico, ao mesmo tempo indicador da maturidade do discurso visual do cartaz cinematográfico brasileiro e da complexidade de sentidos negociados perante o público, são uma parte da galeria de uma sociedade que procura se afirmar também pelo intrincado labirinto de construção de uma auto-imagem, onde ser “malandro”, em muitos sentidos, já não é mais um ato ingênuo ou chanchadesco.

O cartaz do Ziraldo para o filme A mulata que queria pecar (1977), pra mim, beira à perfeição. Fiquei com gosto de quero mais, principalmente ao ver livros e dissertações sobre o assunto também expostos e ter, como a última peça da exposição, uma pequena reprodução quase escondida e mal iluminada de uma capa de J. Carlos para a revista Para Todos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Perfeccionismo monumental

As obras do artista australiano Ron Mueck são impressionantes. Dedos, unhas, barba, cabelos nas pernas, dobras, rugas... a riqueza de detalhes causa muita estranheza, porque achamos que as estátuas vão sair andando! Michelangelo com certeza teria medo de repetir o seu famoso Parla! porque seriam grandes as chances de alguma delas realmente falar! O Facebook, por exemplo, reconhece as estátuas como gente e pergunta se você quer marcá-las!

Couple under an umbrella

Mueck começou a carreira trabalhando com cenários e marionetes de TV e propaganda e agora faz do hiperrealismo sua forma de expressão e de entendimento da vida. Relembra os escultores clássicos que buscavam o perfeccionismo em seus mármores (veja as mãos de Hades na cintura de Perséfone na escultura O rapto de Proserpina, de Bernini) e está causando inveja em muito carnavalesco!

Mask II
Woman with shopping
Young couple

Nesta mostra - que fica até 1º de junho no MAM-Rio - temos nove obras, sendo que três delas são bem recentes e pouco vistas no mundo: o casal de idosos na praia, o casal de adolescentes e a mulher voltando das compras com seu bebê (todos ilustram essa postagem em fotos de Andréa Azpilicueta). Claro que se realmente pensarmos nas obras clássicas iremos diminuir um pouco a arte de Mueck: afinal trabalhar mármore sem erro é bem mais complicado do que trabalhar com resina. Mas é preciso sair do computador cheio de imagens das obras para ver a exposição ao vivo, porque o tamanho - seja enorme ou miniaturizado - interfere na sua percepção e na qualidade do resultado.

Sobre a exposição, fiquei pensando que a iluminação poderia ter sido melhor. Em alguns pontos, o brilho nas obras tira a sensação hiperrealista e nos coloca novamente no plano do objeto.

Fora isso, gostaria de ressaltar a situação paradoxal das filas intermináveis. Paradoxal porque, ao mesmo tempo que acho o máximo e louvo essa busca pela cultura, fico impressionado com a falta de educação e de respeito. Às vezes, me dava a impressão que ninguém estava lá para ver a obra em si e conhecer mais sobre o artista: querem mesmo é fazer selfies! A quantidade de cara feia que recebi porque estava apreciando uma obra e atrapalhando uma foto foi incontável! E dá pra ver pela cara dos monitores que está sendo difícil controlar essa multidão mau educada e egocêntrica.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Espião América

O primeiro filme do Capitão América (Captain America: The first Avenger, 2011) foi considerado por muitos o mais fraco da Primeira Fase cinematográfica da Marvel que culminou no filme dos Vingadores (The Avengers, 2012). No entanto, foi importante para estabelecer o início da S.H.I.E.L.D., que apareceu como coadjuvante em todos os outros filmes e foi uma das protagonista no filme da equipe.

Comecei dessa forma minha crítica ao Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America 2: The Winter Soldier, 2014) porque a S.H.I.E.L.D. é a verdadeira protagonista do filme e, sendo assim, acabamos com mais espionagem e conspirações do que ação. Mas calma: a ação está lá garantida (o escudo vai ser a segunda melhor arma que você já viu na vida, depois do Mjolnir de Thor, é claro)! Até porque (SPOILERS a partir daqui!) com o comprometimento da instituição pela Hidra, nunca se sabe em quem confiar. Com isso, Nick Fury (Samuel L. Jackson) e Viúva Negra (Scarlett Johansson) ganham papéis equivalentes ao do Capitão América. Vale aqui a ressalva que Chris Evans já eliminou quaisquer dúvidas existentes sobre sua capacidade de fazer o herói (que vai da ação frenética no elevador ao drama de rever Peggy).


Sempre bem amarrado e com espaço pra todos, o filme insere personagens importantes da história quadrinística do herói: trouxe um Arnim Zola (Toby Jones) em sua versão computadorizada que ainda deve ter continuidade; Falcão/Sam Wilson (Anthony Mackie em ótima presença que faz você esquecer onde está o Gavião Arqueiro nisso tudo) foi um dos maiores parceiros dele e chegou a se tornar um vingador; a vizinha/enfermeira/agente Sharon Carter (Emily vanCamp, chamada de Kate no filme) é neta de seu antigo amor Peggy e virou seu mais importante interesse amoroso; Alexander Pierce (Robert Redford) chegou a se tornar um Caveira Vermelha; o mercenário Batroc (Georges Saint Pierre) é um dos clássicos inimigos do bandeiroso; e Brock Rumlow (Frank Grillo), líder da Strike, vai se tornar Ossos Cruzados, uma antítese do herói.

Paralela à trama de conspiração, temos a inserção do Soldado Invernal. Não sei se chega ser uma grande revelação dizer que estamos falando do retorno de Bucky Barnes (Sebastian Stan) - dado como morto no primeiro filme após cair de um trem - porque os quadrinhos já contaram isso. A dinâmica entre os dois é sempre muito boa, mas confesso que fiquei esperando a resolução desse imbróglio ainda neste filme.


Cartaz da Mondo
Aliás, acho que esse é o primeiro filme da Marvel que não tem um final totalmente fechado: ele foi feito para ter uma continuidade (o terceiro já está programado), não só pelas cenas finais, mas também pela segunda cena pós-crédito (isso mesmo: são duas cenas, ou você ainda não sabia que a Marvel sempre faz isso?). A primeira cena pós-crédito, além de inserir mais um personagem clássico (o Barão Strucker) ainda liga o filme ao primeiro filme dos Vingadores e, provavelmente, ao segundo filme da equipe.

Quem gosta do Capitão América ou do universo cinematográfico da Marvel, vai ver um filmaço (melhor que o terceiro do Homem de Ferro e até faz entender algumas coisas nele). Quem gosta de filme de super-herói, pode sentir falta de poderes e vilões mirabolantes. Quem não gosta de filme de super-herói, mas se interessa pela trilogia Bourne, por exemplo, vai ver um excelente filme. Ou seja... VEJA (e dá pra ser tranquilamente em 2D)!

E se você já virou fã, aconselho a seguir a série Agents of S.H.I.E.L.D. que passa no canal Sony. Além de outros personagens, ele está diretamente ligado a esse filme... afinal... como ficará o nome do seriado se não existe mais a instituição? Fora isso, o início do S.H.I.E.L.D. deve virar seriado também com direito ao retorno de Peggy Carter (Hayley Atwell) como agente e Howard Stark (Dominic Cooper), pai de Tony. Aguardem!

domingo, 20 de abril de 2014

Não é Noé, né?

Aproveito o feriado bíblico para fazer minha crítica (pesada) a Noé (Noah, 2014). Bom... já aviso que se você acha que vai ver bichinhos lindos sendo salvos pelo santo Noé, está enganado. Você verá um sociopata com uma fé cega que recebe ajuda de monstros aracnóides de pedra. Impossível não odiá-lo do meio para o final do filme.

Parece que os roteiristas seguiram uma versão que está no Livro de Enoque e, com isso, trouxeram novos elementos à história que todos sabem o fim, mas não sabem como ocorreu exatamente. Um desses novos elementos são os guardiões angelicais que decidiram seguir Adão e Eva após sua expulsão do Paraíso e acabaram se tornando os tais monstros. E que tal as pedrinhas brilhantes?

É importante dizer que o filme fala sobre a dualidade do homem (bom e mau). A fé divina do bondoso Noé (Russell Crowe) confronta a necessidade humana de poder do maligno Tubalcaim (Ray Winstone), e esse confronto se espalha entre os filhos de Noé. Percy Jackson e Hermione Granger... oops... Cam e Ila podiam ser atores desconhecidos como foi Shem (Douglas Booth), porque estão fracos e clichés. E Anthony Hopkins já está ficando Matusalém mesmo!

Sorte deles (e nossa!) que existe o talento e a beleza (magra demais) de Jennifer Connelly. Ela interpreta magistralmente a esposa de Noé e transforma um personagem bíblico sem nome e sem importância* na figura que nos representa. Ela é a personificação do amor humano e, no fundo, é ela que vence tanto a fé cega quanto o poder insano, e não o livre arbítrio de Noé. É ela que perdoa, mesmo quando nós não somos capazes de fazê-lo.

Sobre os animais do filme... eles estão lá, são parte importante e até trazem questões contemporâneas sobre o desgaste do planeta, mas não são o foco. Achei bem interessante a forma como os animais ficaram na Arca: dormindo, é claro! Ou você nunca teve dúvidas de como um leão e uma ovelha ficaram juntinhos? Ou de como se limpava a sujeira dos pássaros? Ou de como alguém ficaria lá dentro com mosquitos e aranhas? Interessante também mostrar que os animais que morrem no filme eram criaturas que não existem hoje, tentando provar que só se salvaram as espécies na Arca. Fiquei só com um questionamento: matar para comer é natural, e não um pecado. Predadores carnívoros fazem isso (sorry vegans...). A crueldade e as más intenções é que devem ser vilanizadas.

No geral, achei o filme chato, mas fiquei pensando: como eu gostaria que fosse esse filme? Mais religioso ou espiritual, nem pensar! Até porque Aventuras de Pi foi bem mais relevante nesse sentido pra mim. Mais épico? Impossível, senão teríamos discursos gladiadores de Crowe novamente. Refleti muito e não sei o que faria pra mudá-lo, mas acho que ele poderia ter sido um filme pra TV ou curta-metragem...

* A esposa de Noé raramente aparece em textos bíblicos. Segundo a tradição judaica, ela seria uma mulher cananita chamada de Noéma ou Naamá (Na'amah, cheia de beleza). Há quem a identifique como proveniente da descendência de Caim, sendo irmã de Tubalcaim que era filho de Lameque. Se isso tivesse sido colocado no filme ia dar um nó genealógico! Por ter sido considerada de menor importância, o seu nome não vem mencionado no Pentateuco ou no Torá. No livro dos Jubileus, o seu nome é conhecido por Enzara e seria sobrinha do Patriarca. Detalhe: o diretor, Darren Aronofsky é judeu.