Há seis anos atrás, fiz um curso com um figurão que mudou minha vida (por razões negativas, achava eu). O curso era caro, o professor falava um monte de asneiras e a turma concordava com tudo, porque - afinal - ele era uma figurão. Isso sem contar o fato que ele terminou o curso faltando duas semanas para o fim porque ele não estava dando conta dos trabalhos dele... (hã?) Para vocês terem uma idéia, eu fiquei conhecido como "o rapaz que discordou do professor". E vou contar isso.
Em determinado momento do curso, o figurão disse que selecionava os profissionais de design para uma bolsa na Inglaterra a partir de seus trabalhos autorais e não com uma análise de portfolios engessados por clientes. Quase que instantaneamente eu retruquei: "e quem não tem tempo?". A turma toda ficou me olhando como se eu fosse um herege, mas ao longo do meu discurso alguns concordaram comigo. Perguntei sobre aqueles que trabalhavam por mais de 8h por dia e ainda tinham filhos pra criar, roupas pra lavar ou quaisquer outras funções particulares. Será que essas pessoas que não tem tempo e, portanto, não podem fazer trabalhos autorais, devem ser excluídas dos processos de seleção? Essas pessoas não tem valor? Não tem chance?
Resposta do figurão: " Eu sei o que eu estou falando. Eu tenho olhos de falcão."
A raiva que eu fiquei foi tão grande que pensei: "se esse cara pode falar esse monte de besteira e ainda ganhar dinheiro, eu também posso... e ele usa óculos! Olhos de falcão é o C@/@7#*". Por incrível que pareça, esse foi o pontapé inicial para o meu mestrado. Os quatro anos seguintes foram de reflexão, estudo, pesquisa e avaliação. Não de um tema para o mestrado... mas de mim mesmo. Eu precisava ter certeza que esse era o caminho a seguir. No início de 2009, eu me tornei mestre em design e me vi - pelo menos - melhor do que o figurão, pois eu poderia garantir que besteira eu não ia falar.
Mas todo esse processo de anos foi além. Quatro meses depois de obter o título do mestrado, decidi que o design precisava chegar às pessoas pela educação, desde pequenas, e não somente pelas prateleiras ou universidades. Então, estou fazendo um curso para me tornar professor de ensino fundamental e médio. Voltando ao figurão: ao invés de raiva, eu deveria agradecê-lo.
Só que me vi hoje numa situação ainda mais complicada... eu tenho a impressão que ele estava certo! Não pelos malditos "olhos de falcão", mas pela idéia dos trabalhos autorais. Estou participando de palestras sobre design cultural com um outro figurão e tenho percebido uma fala romântica, utópica, quase surreal sobre a atuação dos designers brasileiros. Confesso que inicialmente achei péssimo, achei distante, achei fora da realidade. Até que comecei a me dar conta que o discurso dos figurões era convergente. Refletindo sobre o que venho acompanhando sobre projetos-conceito, iniciativas de estudantes e investimentos de grandes instituições... trabalhos autorais fazem a diferença mesmo! (Fabio Lopez, por exemplo...)
E agora? As bases do meu "divisor de águas" mudaram da esquerda para a direita! Acho que agora só me resta ter a humildade de refletir mais sobre isso, rever meus "pré-conceitos" com os figurões e - tomara - me tornar um designer melhor.
Um comentário:
Felizes daqueles que tem a sabedoria humilde de rever seus conceitos. Num mundo com tantas mudanças, tantas diversidades de saberes, manter-se aferrado a um só pensamento é "perder o trem da História".
Uma vez já citei o Raul Seixas aqui e acho que é hora de repetir: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".
Parabéns pela postagem.
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