segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Deus escreve certo por Histórias Cruzadas

Tive um carnaval cinematográfico, tentando ver os filmes concorrentes ao Oscar para ter um preferido antes dos resultados de ontem. Nada me animava - nem mesmo o vencedor e o grande favorito -, mas eu de alguma forma sabia que Histórias Cruzadas (The Help, 2011) ia mudar essa sensação. E não deu outra. Saí do filme com a certeza que tinha visto um novo A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985). Resolvi até rever o filme para poder compará-los melhor.

O filme da magistral Whoopi Goldberg é mais visceral tanto para a violência quanto para os sentimentos mais doces. É quase impossível não ter um nó na garganta ou lágrimas escorrendo em liberdade nas cenas finais. Tudo é sentido com muita força. Também... dirigido por Steven Spielberg, produzido por Quincy Jones, com Danny Glover e Oprah no elenco... podia se esperar menos? Fora isso, A Cor Púrpura é um filme negro que fala da violência entre eles mesmos a partir da imposição social/racial da época.

Então, me lembrei de outro filme, Uma história americana (The long walk home, 1990) - também com Whoopi -, que fala da violência do preconceito racial na década de 1950 e do boicote aos transportes públicos pela comunidade negra. Neste filme, empregada e patroa se unem como forma de resistência.

É aí que vem as Históras Cruzadas. Skeeter (Emma Stone) é uma garota branca da elite de Jackson, Mississipi (em 1962), que retorna determinada a se tornar escritora. Por questões pessoais, ela decide entrevistar as mulheres negras da cidade, que deixaram suas vidas para trabalhar na criação dos filhos das jovens madames. Aibileen Clark (Viola Davis), a emprega da melhor amiga de Skeeter, é a primeira a conceder uma entrevista, o que desagrada a sociedade como um todo. Apesar das críticas, Skeeter e Aibileen continuam trabalhando juntas e, aos poucos, conseguem novas adesões, como a da indomável Minny (Octavia Spencer), empregada cheia de atitude de Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard), a megera manda-chuva.


Este novo filme não é tão duro quanto os outros que mostram cenas de violência explícita. A violência aqui está implícita nas tramas preconceituosas, nas atitudes verbais. É mais intimista ao apresentar a luta racial por causa do uso do banheiro. É o ciclo paradoxal construído na permissão dada aos negros para criar os filhos brancos que crescem e passam a desrespeitá-los (ressalva: nem sempre existe o desrespeito). Mas isso não diminui em nada a força de seus questionamentos. Pelo contrário...é exatamente onde encontra sua grandeza.

Com belíssimas atuações (destaque total e absoluto para as coadjuvantes: a oscarizada Octavia Spencer e a indicada Jessica Chastain), o filme também aborda o sexismo da época: mulheres eram doutrinadas ao casamento e à família, independente de seus sonhos de ser alguém na vida.


É previsível e estereotipado? Até é. Falar de racismo no século XXI pode parecer antiquado quando o presidente dos EUA é negro. Mas, para mim, o objetivo do filme é mostrar a sutileza do racismo, que ele ainda está entranhado na sociedade sem precisar de estouros de violência. Que ele está nas palavras, nos gestos. O filme veio para nos fazer refletir sobre um passado que teima em não ficar distante. Alíás, a cena final de Viola Davis andando pela rua é uma bela metáfora para o longo caminho (long walk) que ainda temos que percorrer.

PS.: Em inglês, o filme se chama The Help. No filme, o livro escrito também se chama assim, mas é traduzido como A Resposta - o que seria um bom título para a película. Mas durante o filme ficamos sabendo que o significado de The Help é literal, ou seja, A Ajuda, que são os ajudantes, as empregadas domésticas.

2 comentários:

Otávio Almeida disse...

Belíssimo comentário sobre este filme que eu adorei, meu amigo. E seus paralelos com "A Cor Púrpura" e "Uma História Americana". Todos semelhantes (não iguais). Todos sobre mulheres.

E olha que apanhei na minha resenha sobre "Histórias Cruzadas" lá no Hollywoodiano. Muitos acharam que o filme é maniquísta demais. E é. Só que é narrado pela 'Skeeter'. O livro e o filme. Aí está a desculpa. Se ela ficou do lado das mulheres brancas, ela pintou as brancas de "cocô". Literalmente.

Abs!

fichagas disse...

rsrs é verdade! fiquei esperando Octavia Spencer gritar "EAT-MY-SHIT!" quando recebeu o Oscar! hahahaha

mas eu tenho q agradecer aos SEUS comentários q sempre me inspiram e me ajudam na concepção dos MEUS comentários. confesso q às vezes espero a sua postagem para poder escrever alguma coisa e ter certeza q não pirei muito na batatinha! rsrs

grande abraço